Aqui tocou Júlio Resende em 3 de Outubro de 2014, no Centro das Artes, na Calheta |
Músico com formação clássica e com experiência na área do jazz e da música improvisada, Júlio Resende confere um novo olhar aos fados da Amália interpretados no álbum Amália por Júlio Resende, editado no final de 2013. Com subtileza, intensidade e emoção, nunca cedendo ao linear, ao óbvio ao fácil ou ao acessório.
Os temas são muito seus no sentido de que não há nenhuma nota escrita, como salientou ao Diário: «O facto de as notas serem improvisadas, pertencem-me, elas vêm de mim. Eu tenho uma base mais ou menos de memória para cada tema, assim como um cantor canta as canções de memória. Tudo o que pode acontecer, o modo como vou contar a história, a viagem depois da canção, é completamente improvisada. E mesmo o arranjo pode ser bastante destruído ou refeito».
Pareceu-me identificar os temas Vou dar de beber à dor, A casa da Mariquinhas e Uma casa portuguesa, logo a abrir. Depois desse tema incontornável intitulado Gaivota foi a vez de uma surpresa, o Bailinho da Madeira, que o público identifica apenas no final quando surgiram notas mais decalcadas do original. Contou que, já no Centro das Artes, lembrou-se que este tinha sido o primeiro tema que o seu pai lhe ensinara.
Seguiram-se Tudo isto é fado, Da Alma, tema do seu primeiro disco com o mesmo nome, que «tem algo a ver com fado», disse, Barco Negro e, a fechar, o magistral e brutal Medo, utilizando a voz da Amália gravada. Achei que o som das colunas não estavam ao nível da reprodução da voz da Diva. Parecia estar "encaixotada"... Um detalhe que, no entanto, não beliscou a intensidade do tema.
O músico foi então muito aplaudido pela sala cheia, de pé, e voltou para um encore, através do tema Foi Deus.
Conhecendo apenas o tema Medo, que me arrebatou de imediato, se tinha dúvidas se o fado só ao piano funcionaria, o concerto dissipou-as. Pela interpretação do músico. O fado depende muito da interpretação, da intensidade, profundidade e emoção conferidas pelo intérprete.
Como afirmou Júlio Resende, nas já referidas declarações ao Diário, o «fado tem essa relação muito próxima com o coração, com a emoção, com aquilo que nos diz muito respeito.» Mais disse que as pessoas sentem as canções, sentem o silêncio, sentem a chama e a melancolia dos temas que vêm do fado e que são fado.
Durante o concerto, referiu-se a «coisas mais intensas e viscerais» e que era «bom saber que a ilha não se deixa isolar», ao ter eventos culturais com músicos do país e estrangeiro.
(Um concerto que vale bem mais do que os quinze euros pagos pelo bilhete. No final, no foyer, havia o disco à venda, ao preço do bilhete, com a possibilidade de ser autografado logo ali pelo músico.)
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O escritor Gonçalo M. Tavares escreveu: «Há um sítio onde dói e é daí que se começa. O importante é isto: Júlio Resende parte do essencial do fado. Amália, de qualquer modo, está sempre no centro. E é daí que canta. Neste concerto, sem voz, nesse lugar do meio, no centro, a levantar-se a partir do essencial, está o piano e, como existe caminho, avança-se. O importante em Júlio Resende e no seu piano: partindo do essencial, nunca se sai de lá. E isso é raro. Avançar, e muito, sem levantar os pés do importante.»
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