Carlos Castán, autor de «Má Luz» (La Mala Luz), a sua estreia no romance |
Não é novidade que nascemos sozinhos, estamos sozinhos e morremos sozinhos. No sofrimento e na alegria estamos a sós com o nosso pensamento e o nosso sentir.
«Solidão radical» é um conceito que surge em Má Luz (La Mala Luz no original), do escritor e professor de Filosofia espanhol Carlos Castán, cujo romance narra uma longa travessia existencial, sobre o desejo e a busca de um sentido para a vida.
A dado momento, lemos sobre a desesperada necessidade de uma «presença próxima para não sucumbir ao pânico» (p60). Logo a seguir, uma personagem refere que, «[n]a realidade, não se pode fazer muito mais. Foi em situações assim que mais claramente vislumbrei a radical solidão de um ser humano, de qualquer ser humano, e a impossibilidade de uma comunicação real. Não há derrame de nervos nem de sangue, não há forma de fazer esse medo sair da jaula. Duas pessoas podem inclusive abraçar-se uma à outra, apertar as mãos com força, mas uma não consegue penetrar no inferno da outra, nem sequer compreendê-lo remotamente. É impossível» (p61).
E continua: «Para além de uma rudimentar empatia que praticamente se esgota na certeza de que o outro sofre, assim, em abstracto, nada há que se possa fazer para se conseguir entrar no pensamento alheio, no medo alheio, e lutar com todas as forças, como muitas vezes quereríamos, contra os fantasmas e as tempestades que ali se acumulam.»
Ideia (facto) que é exemplificada: «É uma profunda e dolorosa verdade aquela visão de Goethe segundo a qual a vida interior seria uma espécie de cidadela fortificada na qual ninguém pode realmente entrar, tão-pouco sair dela, embora às vezes a falsidade da linguagem construa a ilusão do contrário. No meio da noite dois amigos abraçam-se em pijama, despenteiam-se na brincadeira, dizem um ao outro palavras de lealdade e coragem, mas só um deles se rasga por inteiro e treme por dentro, será um apenas que terá suor gelado» (p61).
No fundo, nunca chegamos a conhecer ninguém verdadeiramente, nem mesmo a nós próprios, por maior auto-conhecimento que tenhamos. Procuramos contrariar tal realidade e compreender o outro através da comunicação, de várias formas, mas é sempre insuficiente. Nunca é total, nunca é pleno.
A presença, o abraço, o toque, a palavra de conforto e o amor são a proximidade, a solidariedade e o alento possíveis entre seres humanos. O trabalho e o esforço existenciais são, a tempo inteiro, exclusivamente nossos. Ter esta consciência é importante para se aceitarem tais circunstâncias existenciais e, assim, convocarmos os nossos próprios recursos de sobrevivência: procura de equilíbrio e bem-estar interiores, que pode incluir o recurso a «meios inspiradores».
Dizem-nos que ninguém nos pode salvar a não ser nós mesmos. Em grande medida é verdade. But with a little help from my friends... it might be more comfortable... E esses amigos de que fala este tema (performance de Joe Cocker com emoção e alma, neste caso com tripas e coração) podem também tomar a forma de uma frase, um verso, uma música, uma imagem... que nos podem inspirar e salvar, mesmo que o derradeiro «click» tenha de ser sempre nosso, interior, próprio, solitário, autónomo.
Sem comentários:
Enviar um comentário