Anonymous said...
(a propósito de Professores de luto e em luta 13: piquete de greve)
Artigo 46ª proposta ECD:"8. Quando o docente permanecer em situação de ausência ao serviço que inviabilize a atribuição de avaliação do desempenho, designadamente, nas situações de licença por maternidade e paternidade, faltas por doença prolongada ou decorrente de acidente em serviço e isolamento profiláctico, o docente pode, para efeitos de progressão e acesso na carreira, utilizar como mecanismo de suprimento da avaliação ponderação da menção qualitativa que vier a ser atribuída relativamente aos dois anos subsequentes à retoma do exercício efectivo de funções docentes." Pelo que se vê, o professor mantém a contagem de tempo e a avaliação é a que for obtida nos dois anos seguintes... daí que o exemplo (comum e demagógico) não terá razão de ser.
Terça-feira, Outubro 17, 2006 7:05:00 PM
Comentário:
Agradeço a oportunidade de procurar esclarecer a questão que coloca (não tenho a pretensão de saber as respostas que os juristas ainda não conseguiram obter sobre este assunto, devido às areias movediças). Se o exemplo que foi dado é, na sua perspectiva, comum e demagógico ele poderá ser uma consequência da própria proposta, como abaixo se explica. Mas não quero classificar nesses termos a proposta do Ministério da Educação. Por outro lado, quando se apresenta, como faz, um ponto de um artigo de uma lei de forma descontextualizada, sem cruzar esse ponto, nas suas relações e implicações, com o resto da lei, poder-se-ia aplicar os referidos adjectivos. «Pelo que se vê», por vezes, não basta. O que não se vê de imediato pode ser decisivo. Ora vejamos se o exemplo que dei não tem razão de ser:
1- A «licença por maternidade e paternidade, faltas por doença prolongada ou decorrente de acidente em serviço e isolamento profilático» inviabilizam a «atribuição de avaliação do desempenho.» Isto é claro. É um baralhar e voltar a dar do ponto 7 do Artigo 47º (convido-o/a a ler) da proposta inicial do Ministério da Educação que chamaram de Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente, em vez de Estatuto da Carreira Docente (ECD), uma clara despromoção que não é apenas simbólica, mas em coerência com a desqualificação e desvalorização do ECD e da profissionalidade docente (estas coisas não se vêem à vista desarmada), que o Regime Legal pretende implementar, vendido como a solução para a melhoria do sucesso escolar e do caminhar para a educação de excelência (camuflando o objectivo economicista de cortar forte e feio em direitos, salários e carreira – esperemos que a proposta ainda evolua muito). Mas, como deram conta que lhes tinha fugido a boca para a verdade, na segunda versão emendaram a mão e, de forma calculista-oportunista, passaram a designar o documento de Alteração ao Estatuto da Carreira do Pessoal Docente. Para não dar muito nas vistas as reais intenções, mas que permanecem. Episódio ilustrativo.
2- Retomemos o assunto que é razão deste comentário. Inviabiliza-se a «atribuição de avaliação do desempenho», não se definindo os critérios nesse ponto 8 do Artigo 46º para essa inviabilização: «ausência ao serviço que inviabilize». Mas os critérios estarão definidos? E onde? No ponto 6 do mesmo artigo 46º que cita pode ler-se o seguinte: «a atribuição de menção qualitativa igual ou superior a Bom fica dependente do cumprimento de, pelo menos, 97% do serviço lectivo no período escolar a que se reporta a avaliação.» Sabe-se o que isto significa. Se cruzar com o artigo 37º, ponto 2: «A progressão depende de um período de serviço mínimo de serviço docente efectivo no escalão imediatamente anterior, com avaliação do desempenho, pelo menos, de Bom, atribuída por cada módulo de dois anos de tempo de serviço (...)»
O que é serviço mínimo? Será o que diz no ponto 3 do Artigo 42º, da proposta que citou (?): «a avaliação dos docentes integrados na carreira reporta-se à actividade docente desenvolvida em cada módulo de dois anos de permanência nos escalões da categoria para efeitos de acesso ou progressão na carreira, desde que tenham completado, em cada ano escolar, pelo menos seis meses de serviço efectivo.»
3. Concluindo, a proposta que citou para basear o seu raciocínio é clara: não é preciso muito para não cumprir uma pequena percentagem como 3% do serviço lectivo num ano lectivo. Nem os seis meses cobrem todas as situações de ausência por força maior.
4. Depois cita, como “prova” da “solução”, “razão” ou “benevolência” do Ministério (e hipotética demagogia do meu exemplo), aquilo que é um presente envenenado, de fuga para a frente, uma tentativa astuciosa de procurar contornar a ilegalidade, um remedeio complexificado (porque era ilegal e ficava demasiado cru e escandaloso a forma inicial - ponto 7 do Artigo 47º da proposta inicial do Ministério, que já acima referi): «o docente pode, para efeitos de progressão e acesso na carreira, utilizar como mecanismo de suprimento da avaliação [, a] ponderação da menção qualitativa que vier a ser atribuída relativamente aos dois anos subsequentes à retoma do exercício efectivo de funções docentes.» Isto significa que pode agravar a situação se ocorre mais uma ausência por forças de maior ou se o docente, por uma razão qualquer, não consegue, precisamente nos «dois anos subsequentes» ter a nota desejável (mínimo de Bom para progredir, recorde-se), podendo ficar prejudicado não só dois anos, mas ainda o ano em que tivera um filho, adoecido, prestado assistência a um familiar, entre outros motivos imponderáveis. Considera que os direitos constitucionais da maternidade e paternidade, assistência na doença a familiares, entre outros exemplos, ficam assim protegidos? Os professores não querem remedeios, soluções labirínticas e sinuosas (para nem dizer armadilhadas), de meias-tintas, que os podem prejudicar ainda mais, em situação prática e real.
5. E poderia ficar por aqui. Mas há outro pormenor. Além de tirar conclusões a partir de uma passagem de forma descontextualizada do restante articulado, não teve o cuidado de ir à versão mais recente da proposta. A que citou não é válida, já não conta. Há uma terceira versão em cima da mesa da negociação ou pseudo-negociação (pelo menos até ao momento). Recordo que acima já citei a primeira e depois citei a segunda versão, por o leitor ter citado o ponto 8 do Artigo 46º desta segunda versão, para provar a alegada demagogia do meu exemplo.
6. A terceira versão da proposta diz no ponto 8 do Artigo 46º: «Quando o docente permanecer em situação de ausência ao serviço, equiparada a prestação efectiva de trabalho, que inviabilize a verificação do requisito de tempo mínimo para avaliação do desempenho, designadamente, nas situações de licença por maternidade e paternidade, faltas por doença decorrente de acidente em serviço e isolamento profilático, pode o mesmo, para efeitos de progressão e acesso na carreira, utilizar, como mecanismo de suprimento da avaliação, a ponderação da menção qualitativa que vier a ser atribuída relativamente aos dois anos subsequentes à retoma do exercício efectivo de funções docentes.»
7. Há umas diferenças. As situações de falta ao serviço pelas razões que agora, na terceira versão, estão enunciadas neste ponto 8 do Artigo 46º, se cruzados com o ponto 3 do Artigo 42º, da segunda ou terceira propostas: «a avaliação dos docentes integrados na carreira reporta-se à actividade docente desenvolvida em cada módulo de dois anos de permanência nos escalões da categoria para efeitos de acesso ou progressão na carreira, desde que tenham completado, em cada ano escolar, pelo menos seis meses de serviço efectivo.» (Na primeira proposta dizia apenas, no ponto 2 do Artigo 43º: «a avaliação dos docentes na carreira realiza-se em cada ano escolar e reporta-se à actividade docentes desenvolvida durante esse período.»)
8. O que importa reter do ponto anterior, para além dos malabarismos no articulado desde a primeira versão, são os «pelo menos seis meses de serviço efectivo.» Uma abertura relativamente às situações de falta enunciadas no ponto 8 do Artigo 46º da terceira proposta. No entanto, o «tempo mínimo» continua não definido com clareza. E não é por acaso. Serão os tais «pelo menos seis meses» referidos? E as situações de falta justificada que não estão enunciados no ponto 8 do Artigo 46º? Qual é o tempo mínimo para essas situações?
9. Para baralhar ainda mais as coisas, veja-se o que diz o ponto 6 do Artigo 46º (terceira proposta): «a atribuição da menção qualitativa de igual ou superior a Bom fica dependente do cumprimento de, pelo menos, 95% [já foi 97% na segunda versão] das actividades lectivas no período escolar a que se reporta a avaliação, não sendo consideradas para o efeito as faltas legalmente equiparadas à prestação efectiva de trabalho.» De que faltas estamos a falar? As do ponto 8 do Artigo 46º? E as outras? Tem de estar claro. Não podem subsistir zonas sombrias, subjectivas.
10. Finalmente, atente-se à seguinte situação. Alguém, docente, tem um filho (para manter o exemplo da maternidade ou paternidade) no ano lectivo 2006/07. Não cumpre os «seis meses de serviço efectivo». Aceita uma avaliação insatisfatória nesse ano ou então aceita que a nota da avaliação dos dois anos seguintes (2007/08 e 2008/09) decidam essa nota de 2006/07. Agora, imagine-se que nesses dois anos seguintes (2007/08 e 2008/09) acontece ter outro filho e nova ausência. Ou outra razão de força maior, que impeça de cumprir os 95% de serviço lectivo ou os seis meses de serviço efectivo (serviço mínimo?). Percebe-se que não está claro e que esta versão da lei, por força de tentar condicionar (cortar) o mais possível na progressão e remuneração, ajeita e complexifica as soluções de forma a tentar viabilizar tecnicamente e legalizar determinadas situações. Não se esquecendo nunca que apenas a nota Bom permite progredir na carreira. E para ter Bom é preciso 95% de serviço lectivo, não ficando claro quais são as faltas que não entram nesta contabilidade, as tais «legalmente equiparadas à prestação efectiva de trabalho.»
11. E estamos a falar de um exemplo, de um ponto específico. E faltam as outras situações. Por exemplo, a Constituição não permite uma dupla condenação de um cidadão por um mesmo acto (crime). Há na nova proposta do estatuto uma situação que viola este princípio legal ao penalizar os professores duplamente. Não vou dizer onde, para já. Pode ser que a quarta versão (quantas mais haverá? Será que serão cada vez mais complexas e ardilosas?) o resolva. Até agora, porém, as alterações introduzidas pelo Ministério reportam-se a alguns aspectos que eram de difícil execução técnica ou duvidosa sustentação legal. E isso não é negociação. Alterar um pormenores de uma proposta com várias medidas radicais não é chegar a consenso ou negociar.
12. Finalmente, considera-se que milhares de professores estarão todos enganados e são demagógicos? Os que foram à manifestação (maior de sempre em Portugal de docentes) no 5 de Outubro e os que tomaram a decisão drástica de fazer greve, ausentar-se do seu posto de trabalho e perder o seu vencimento? Alguma coisa justifica a luta e une os professores e todos os sindicatos... E não será por razões levianas ou coisa de pouca monta. Há coisas de que nem um ultra-neoliberal e neo-conservador como George Bush se lembraria de colocar num estatuto de carreira docente. Demagogia é a expressão de virgem martirizada que coloca a ministra a manipular a opinião pública no muito tempo de antena que tem nos media; demagogia é considerar que «é ilusão que os professores se motivam pela progressão na carreira.» Basta ficar «pelo que se vê» porque já é suficiente. Para nem falar no achincalhamento dos professores, como forma de justificar o injustificável aos olhos da opinião pública. Depois dizem que são os jornalistas que enterpretam mal o que afirmam os responsáveis, que pegam em "soundbites", isto é, palavras fora de contexto. Vários jornalistas de diferentes órgãos de informação têm a mesma leitura, mas são eles todos que estão errados acerca da interpretação das palavras da ministra e seus colaboradores.
Você terá toda a razão.
ResponderEliminarMas isso em nada desmente o que escrevi…
Dá jeito conseguir responder à crucial pergunta “porque está a se manifestar?” ou “porque está a fazer greve?”, quando as câmaras de televisão se aproximam.
Nessas alturas, qual é a recorrente resposta? A das grávidas e dos doentes…
É o tal “sound bit”.
O facto da matéria ter vindo a ser melhorada ao ritmo das versões e propostas (ECD) do Ministério demonstra que é uma não questão.
Mas, mesmo sendo uma não questão, entronca numa verdadeira questão, essa sim essencial:
A carreira docente deixou (ou deixa, com este ECD) de ser um caminho simples, sem interrupções, até ao topo. A progressão, ao invés de ser para todos e linear, passa a ser uma promoção…
Veja bem a diferença: progressão se houver promoção.
Quando se promove? Quando se atribui um prémio. Quando se valoriza a excepcionalidade e a produtividade extra.
A mudança é grande e difícil de “entranhar” nos pressupostos esquerdistas e igualitários onde se entende que não há que diferenciar os melhores (só porque isso vai isolar os… piores).
Caso esteja garantido o ordenado e o suporte da segurança social, nos termos de todos os trabalhadores, não vejo qualquer inconveniente que uma gravidez ou uma doença prolongada tenha impacto na promoção (ou progressão) na carreira… Afinal, como premiar quem não lá está? Não teria qualquer lógica.
Aí, saltam logo os argumentos que a sociedade precisa das crianças, blá, blá, blá, blá…
Certo. Precisa sim. E deve valorizar (ou até compensar) quem as tem. Através dos impostos, do (de um novo) abono de família, do acesso mais facilitado a serviços educativos, etc. Não tem de ser, nem deve ser, à custa de igualdades nas promoções das carreiras profissionais que, assim, se distorceriam…
Generalize-se essa ideia e veja-se o prejuízo: se todos fossem sempre promovidos por igual, apesar de uns produzirem mais do que os outros, a curto prazo, as mulheres (porque poderiam engravidar) passariam a ser (ainda mais) prejudicadas pelos empregadores. Afinal, teriam que pagar sempre mais, apesar de terem ao serviço pessoas menos produtivas e dedicadas.
Sim, porque a dedicação dos trabalhadores que são pais é - e deseja-se que seja - forçosamente menor pois é partilhada com a sua família. A constituição de uma família é uma decisão importante. Com consequências nas carreiras e empregos, acrescidas de custos no orçamento familiar.
E, por essas razões, as famílias deverão ser mais apoiadas pela sociedade no seu todo (contribuintes em geral), através de um novo modelo de incentivo à natalidade.
Pelo que, o “sound bite” dos professores (que são prejudicados na carreira pelas gravidez e doenças prolongadas) não passa disso. Uma resposta pronta para quem, provavelmente, estará nas manifestações e greves, sem ter lido a proposta do Ministério…
Dá jeito aos sindicatos, não terem professores a gaguejar, perante aquelas questões, quando interpelados pelas televisões.
Mas que o ECD, na questão essencial vai pelo caminho certo, vai mesmo.
Caro Nélio de Sousa,
ResponderEliminarRespeito a sua posição sobre a alteração do ECD, apesar de ser bem diferente da minha.
O relatório da ocde sobre a educação em Portugal traça uma imagem negra do ensino em Portugal e dos professores em particular.
Senão vejamos: os salários dos professores em relação ao PIB per capita é dos mais elevados (1,75 quando a média da UE é de 1,32);
O nº de semanas de aulas lecionadas é inferior á média da UE e da OCDE; O tamanho das turmas é inferior á média da UE e da OCDE.
Parece que apenas nos resultados dos nossos alunos é que somos dos piores.
Os professores não terão toda a culpa, longe disso, mas alguma têm. Tal como têm culpa as escolas de educação, os programas escolares, os meios socio-económicos entre outros.
No que cabe aos professores quais seriam as suas propostas para que os melhores fossem realmente reconhecidos e os MAUS professores fossem penalizados?
Caro Anónimo,
ResponderEliminarAfirma: «caso esteja garantido o ordenado e o suporte da segurança social, nos termos de todos os trabalhadores, não vejo qualquer inconveniente que uma gravidez ou uma doença prolongada tenha impacto na promoção (ou progressão) na carreira…»
Penso que é esclarecedor da sua posição. Então o mérito, a dedicação, a competitividade, a promoção ou progressão na carreira é incompatível com o gozo de certos direitos... Podemos juntar as mães, pais, familiares que dão assistência a familiares, os que são doentes, etc, na bolsa dos descartáveis. Estamos em campos opostos e ainda bem. Para mim, a competitividade não justifica tudo, inclusive o atropelo de direitos constitucionais e da dignidade humana. Mas não esqueça que as faltas de que estamos a falar não são apenas por maternidade ou paternidade, embora seja um exemplo paradigmático, prova do radicalismo de certas medidas da proposta do Ministério da Educação. Oxalá fosse um “soundbite”... Oxalá fosse só este aspecto da maternidade e paternidade que estivesse em causa...
Os professores não são contra a avaliação e uma estruturação diferente da sua actual carreira. Mas isso não significa que concordem com qualquer tipo de avaliação ou qualquer tipo de estruturação que lhe ponham no prato com o objectivo de despromover, desqualificar, desprofissionalizar e cortar nos salários. Ainda por cima disfarçado de melhoria do sistema de ensino. As alterações introduzidas pelo Ministério até ao momento resumem-se a alguns aspectos que eram de difícil execução técnica ou de duvidosa sustentação legal. Daqui a uns anos, se algumas medidas radicais foram adiante tal como estão, voltaremos a falar sobre o estado da educação.
Quanto aos preconceitos “esquerdistas” digo-lhe, pelo que percebo, que a esquerda sempre foi meritocrática. Existe é um estranho conceito de mérito na nova proposta de estatuto de carreira: alguns poucos professores, com provado mérito pedagógico, vão ser promovidos NÃO para fazer o que melhor sabem, ensinar, dar aulas, estar com os alunos, mas sim para desempenhar cargos e tarefas burocrático-administrativas. Para muitos é uma despromoção profissional. É bom para quem gosta de burocracia, tecnocracia, de mandar e ter subalternos. Óptimo, um professor por ser tão bom a ensinar é promovido para não ensinar ou ensinar pouco... Não se está a ver que não é a qualidade da educação que interessa mas sim criar uma pista de obstáculos administrativos para impedir que 80 a 90% dos docentes não suba mais na carreira a partir de dado escalão? E de que serve ser-se avaliado como excelente professor se esse mérito nunca será traduzido em promoção? Sim, porque as quotas são apertadas. Se se diz que o importante é o mérito e a qualidade os profissionais do ensino, porque motivo não se dá o justo produto do mérito a todos os que tiverem mérito, independentemente do número? Ao menos poderia ser menos restritivo. Pois, já sei, o país é pobre e a educação, afinal, não é uma prioridade da nossa sociedade, ao contrário dos discursos. Isso de a educação ser uma prioridade mas o dinheiro ir sempre parar ao betão... é ele que dá votos...
A respeito da promoção, não se esqueça que o conteúdo funcional da profissão docente é o mesmo, seja ele docente promovido ou não promovido. Quando num serviço público alguém é promovido a chefe, o conteúdo funcional da sua profissão altera-se.
Caro Tino, eu parto do pressuposto que, apesar da discordância, a minha posição seja respeitada pelos demais, bem como os outros devem partir do pressuposto que a sua discordância é por mim respeitada, sem necessidade de o explicitar. É assim o jogo democrático.
ResponderEliminarOs relatórios da OCDE têm o seu valor, ainda bem que os menciona. Contudo, não se podem ler esses dados e compará-los, sem observar o contexto português, com países como a Finlândia. Nós ainda lutamos contra a irradicação do analfabetismo quando há outros que o resolveram há imenso tempo. Temos um percurso importante desde o 25 de Abril na massificação e democratização do ensino, mas nós partimos de pontos bem diferentes, usando exemplos como o da Finlândia, onde, não por acaso, os professores são respeitados e valorizados. Portugal sofre de atrasos endémicos. E precisa de professores motivados (avaliados e reconhecidos pelo mérito pedagógico, claro que sim, mas não de qualquer forma e, sobretudo, com objectivos economicistas conjunturais de corte de salários).
Os problemas da educação não se resumem aos professores nem residem na sua remuneração, embora os professores não descartem a sua quota de responsabilidade. Pagar-lhes menos e retirar-lhes direitos, precarizar o exercício da profissão não é a solução – é apenas uma operação financeira.
E depois vem o mito vendido, estratégica e criteriosamente, ao longo dos últimos anos, que os professores portugueses são os mais bem pagos na Europa. Sempre com o PIB como referência, tão diferente entre os países comparados. O mesmo PIB que se quer melhorar com melhor educação, mais qualificação e produtividade dos portugueses. Mas não se quer investir na educação (encarada como despesa e não como investimento), apesar dos nossos atrasos estruturais, de uma sociedade em que o sucesso se mede não pela competência e pelo conhecimento mas pelo tráfico de influências e outros mecanismos de uma sociedade laxista e de “chicos espertos”.
Há uns livros que explicam muito bem o que se passou nas reformas neoliberais de outros países, no sector da educação, em que os professores foram alvo de todas as iras, bem como as consequências dessas políticas na educação. O exemplo de Margaret Thatcher é paradigmático. Tratar as escolas como empresas não melhora resultados educativos (a não ser para alguns, os do costume) nem democratiza a educação de qualidade para todos. Este filme que está a passar o Ministério da Educação em Portugal já foi visto em muito sítio. Não é nenhuma originalidade.
Voltando aos salários dos professores portugueses, os mais baixos da União Europeia no início de carreira, note-se, são compensados por uma valorização a partir do 8º escalão, altura a partir da qual rivaliza com colegas de alguns países europeus, mas mesmo assim inferiores aos docentes da Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Irlanda ou Luxemburgo. Mas mantêm-se, no global abaixo da média da UE. Considero que o índice salarial deveria estar melhor distribuído por toda a carreira dos professores portugueses. O que o Ministério da Educação pretende é evitar que 80 ou 90% dos professores chegue ao 8º escalão, precisamente a partir do qual são melhor remunerados. Fica tudo à vista.
Avaliar os professores é uma tarefa gigantesca e complexa, porque o produto não são objectos facilmente medíveis e somáveis. Um professor não é só competência científica, que até se pode avaliar num exame qualquer. Interessa muito como comunica, como se relaciona e como é enquanto pessoa. Tem um peso fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Para mim, são obrigatórias várias aulas assistidas, mais do que qualquer coisa, para ser minimamente séria. Numa perspectiva de melhorar a performance do professor. Se for apenas para o punir com menos salário como se vai melhorar os resultados?
As aulas assistidas feitas por uma entidade independente, para evitar suspeitas de laxismo e compadrio no interior das escolas. E isso implica muitos custos. Avaliar mais de 100 mil docentes pode custar uma fatia preciosa do orçamento da educação. O Ministério apercebeu-se da impossibilidade técnica e financeira de avaliar todos os professores todos os anos e já alterou a periodicidade da avaliação para dois anos. Era uma evidência mas ainda fez parte da proposta de estatuto de carreira, o que prova a leviandade com que alguns passos estão a ser dados. Por isso se querem os professores titulares, os tais excelentes professores de reconhecido mérito pedagógico, ainda por cima com muita experiência, a tratar dessas burocracias e não a fazer aquilo que são bons a fazer: dar aulas. É uma subalternização do trabalho pedagógico relativamente aos processos administrativos, um dos aspectos mais preocupantes da nova proposta de estatuto de carreira. Isto terá consequências perversas no sistema. O tempo o dirá, como já se verificou em outros países.
O pensamento do Ministério é só um: já que não se consegue melhorar o sistema educativo tão rápido quanto se desejaria (o país sofre de um atraso estrutural arreigado) então vamos pagar menos aos professores. Sabem que o sistema não melhorará, mas podem justificar as medidas com o argumento de gastar menos e poupar os contribuintes. Uma “poupança” que pode sair cara.
Os professores também se motivam, como os outros trabalhadores, pela carreira, nível salarial e consideração por parte da sociedade. A ministra e o secretário de estado Jorge Pedreira acham que não - embora não os veja dispensar o seu salário e trabalhar por amor à camisola. Quando sabem que a realização profissional dos docentes é muito precária e cheia de obstáculos no quotidiano das nossas escolas. Não há vocação ou espírito missionário que resista a tudo, inclusive à falta de reconhecimento que a ministra tem demonstrado em palavras e actos (políticas). Qualquer pessoa precisa de reconhecimento. O salário e a carreira condignas são duas formas práticas de reconhecimento. Querem retirar isso a 80 ou 90% dos professores, além da falta de reconhecimento público (que se faz apenas com palavras a atitudes). Mas todos os meios justificam os fins para este Ministério. Havia que justificar de todas as formas o corte na remuneração e carreira, nem que fosse preciso acusar os professores de tudo e mais alguma coisa, essa cambada de privilegiados e incompetentes.
As últimas décadas mostram que, nas reformas do liberalismo selvagem (sejam da autoria da direita neo-fordista - neo-conservadorismo + neoliberalismo - ou da esquerda ou centro-esquerda, esta conhecida por Terceira Via - socialismo democrático + neoliberalismo), os professores são uma das partes prejudicadas (além dos cidadãos - por a educação passar a ser um serviço e não um direito, a centrar-se nos resultados e não nos processos, a fomentar o conservadorismo pedagógico, etc.) no sistema educativo: intensificação do trabalho e perda de poder reivindicativo, que se repercute na carreira e massa salarial. A ver vamos se os professores portugueses conseguem contrariar esta lógica. A LUTA CONTINUA.
Nota: texto com imagens/gráficos sobre os salários dos professores no post Missivas dos leitores: professores portugueses pagos abaixo da média dos países da OCDE, em 18.10.2006.
“… o mérito, a dedicação, a competitividade, a promoção ou progressão na carreira é incompatível com o gozo de certos direitos... Podemos juntar as mães, pais, familiares que dão assistência a familiares, os que são doentes, etc, na bolsa dos descartáveis.”
ResponderEliminarNão. Nada disso. Está a extremar. Não vão nada e de maneira nenhuma para os descartáveis. Muito pelo contrário. Produzindo menos, não evoluirão tanto nem tão rápido. Mas mais: a segurança do emprego é maior pois o que o empregador lhes pagará estará mais conforme e em linha com a produtividade e com o que ele (empregador) recebe em troca do funcionário.
Estamos em campos opostos e ainda bem. Para mim, a competitividade justifica alguma coisa, principalmente quando é (só) por essa via que se aumentam os recursos a distribuir. Depois, mas só depois (com recursos) entra a justiça social…
De que serve distribuir muito bem, se nada (ou cada vez menos) temos para distribuir?
Quanto à avaliação, também não concordo com o sistema. Poderia ser muito mais simplificado a fim de não pesar no sistema como se prevê que este venha a pesar… penalizando os alunos que terão professores mais preocupados com a avaliação deles (professores) do que com a sua aprendizagem.
“Quanto aos preconceitos “esquerdistas” digo-lhe, pelo que percebo, que a esquerda sempre foi meritocrática.”
Aqui, discordamos completamente. À custa de querer compensar todas as desigualdades, a esquerda torna a sociedade mediocrática e não meritocrática. A solução Robin dos Bosques (tirar aos ricos para dar aos pobres) é delapidante dos recursos. No final, pobreza total. O que aconteceu nos países que experimentaram a receita.
Concordo com a sua leitura no respeitante ao conteúdo (cargos) na gestão por parte (e limitado) aos titulares. Os bons professores (que por isso são promovidos) poderão ser péssimos a gerir. E o inverso pode ser verdadeiro. Mas também é demagógico querer passar a mensagem que todos os titulares passam a gestores. Não é nada disso. Apenas passam a poderem ser gestores… Muitos optarão por se manterem professores e a produzirem aquilo que os levou a serem premiados: ensinarem muito e bem.
De igual forma no que respeita às funções docentes (não lectivas) acrescidas neste ECD. Os professores não passam a ter que fazer tudo aquilo simultaneamente. Simplesmente passam a poder exercer uma série de funções antes não previstas. De cariz que antes não estava definido no âmbito docente. Para mim, uma oportunidade de trabalho para os docentes, cada vez mais desempregados. Para os sindicatos uma desconformidade…
Quanto às quotas de promoção, são necessárias. Quer se queira quer não se queira. A ideia que promovendo só 30% poderá trazer injustiças quando (consideram alguns) possam existir 50% de “promovíveis” é também demagógica (porque será pontualíssima). Mas pode existir. A solução seria simples. A quota actual é 30% (grosso modo). Admitiria indexar esse valor aos resultados das avaliações internacionais: entre 20% na situação actual até 60% quando Portugal atingir o quinto superior da lista de países avaliados (30% no 2º quinto, 40% no 3º quinto, etc). Desta forma, a tal quota reflectiria os resultados obtidos pelo sistema. Dirá você que esses resultados não dependem apenas dos professores. Sim. Talvez. Mas então dependem do quê? Identificados esses factores, passem a lutar também por eles. Até agora, só vimos professores a lutar pelas suas regalias…
Finalmente, não sei porque se prende a promoção à chefia… porque não apenas à produtividade e ao prémio correspondente? Claro. Produtividade é um não conceito para a esquerda...
Um professor que está, por exemplo, doente, já é hoje penalizado no salário. Quem produz menos ganha menos. Essa regra é clara. O que se quer fazer agora é, além dessa penalização, acrescentar outras, como impedir a progressão na carreira por não cumprir 95% da actividade lectiva. Um bom professor deixa de o ser se tiver o azar de ficar doente? São obstáculos burocráticos à progressão. E com isto não se entenda que não se é defensor do rigor e da competência, bem pelo contrário.
ResponderEliminarNinguém é dono da produtividade e da competitividade. Elas são importantes, mas não são tudo nem devem ser endeusadas além do que já são. Nem elas se verificam por acaso. Veja-se esse indicador/obstáculo que é a qualificação dos portugueses...
Numa escola, a produtividade é um pouco mais complexa de medir porque trata de desenvolvimento humano e não de produtos, que nas empresas e nas fábricas se podem contabilizar ao final do dia. Por isso, se quer medir apenas o que é quantificável, esquecendo que um bom professor se faz de muitas coisas. O que não se mede não interessa ou interessa menos.
Na carreira docente não existe topo da carreira. Existem sim patamares em que se ganha mais do que noutros. Mas não existem etapas em que as funções desempenhadas mudam. Numa carreira em que se começa por baixo e se vai subindo, aí sim chega-se ao topo. Por exemplo, começa-se por secretário e chega-se a director. Mas na classe docente, começa-se por ser professor e acaba-se sendo professor.
ResponderEliminarPortanto não faz ponta de sentido falar em chegar ao topo nem em afirmar que só na classe docente todos os professores chegam ao topo. Isso é uma falácia; uma manha inteligente para justificar a criação artificial de dois escalões mas em que se faz o mesmo em ambos: dar aulas.
Um professor quando entra para os quadros atinge imediatamente o topo da carreira, no sentido de que as funções que desempenhará serão sempre exactamente as mesmas.
Não confundir o facto do Estado pagar progressivamente mais pelas mesmas funções à medida que se é professor há mais tempo com progressão na carreira e com chegar ao topo. Isso é para as carreiras em que existe uma hierarquia de cargos. Aí sim, chega-se ao topo.