«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quarta-feira, outubro 25, 2006

Professores de luto e em luta 18: correspondência com Vital Moreira

A propósito de um texto de Vital Moreira, relatado no post Professores de luto e em luta 14: Causa Nossa (Vital Moreira) versus Abrupto, remeti um comentário - patente no mesmo post - àquele animador do Causa Nossa. Recebi a seguinte resposta:

«Na minha opinião, a Ministra em razão na questão central do estatuto, ou seja, em estabelecer uma hierarquia na carreira, com provas de avaliação como critério essencial de progressão. É evidente que os professores saem prejudicados com isso. Mas na educação, os professores não deviam ser os principais interessados. Os interesses que devem prevalecer são os dos cidadãos em geral e os contribuintes em particular.

Com os melhores cumprimentos
VitalM»
19 October 2006 02:12

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Retorqui nos seguintes termos, a propósito da atitude do Ministério da Educação ocorrida entretanto:

«Parece que o secretário de estado adjunto da Educação, Jorge Pedreira, ouviu o seu conselho («as mudanças que implicam perda de regalias ou privilégios só se podem fazer contra os interessados...»):

«Aquilo que dissemos foi, no fundo, o seguinte: o sindicatos ou querem parar de tentar afundar o barco, com o risco de serem os primeiros a afogar-se, ou querem entrar no barco connosco e conduzi-lo a bom porto. Esta foi a alternativa que deixámos hoje aos sindicatos.»

«Aquilo que dissemos hoje aos sindicatos era que a posição do Ministério da Educação, relativamente à estruturação da carreira e relativamente à avaliação do desempenho, era a posição definitiva do Ministério da Educação. Sobre essa matéria a negociação está concluída.»
(Rádio Renascença, 19.10.2006, sobre a proposta de estatuto do ME)

Concordo que na educação os professores não devem, de facto, ser os principais interessados. Todavia, não concordo que o interesse principal seja do cidadão em geral e dos contribuintes em particular. Prefiro colocar no centro de tudo os jovens estudantes. Não dá jeito ao Ministério da Educação, mas não se pode dissociar o investimento nos professores do investimento nos alunos porque falar em condições de exercício profissional dos professores é também falar em condições de aprendizagem dos alunos.

Poder-se-ia alterar os termos da carreira horizontal, fazer acertos e introduzir mecanismos avaliativos para um maior rigor, competência e produtividade, sem delapidar as condições socio-económicas dos professores ao mesmo tempo que se exige mais trabalho e empenho ( e os chamamos de incompetentes e os menosprezamos...), tornando ainda mais impossível a profissão. Ninguém pode pensar que os professores têm uma "vocação" (é mais realista falar em predisposição para a função) e, por isso, por gostarem do que fazem, já não é preciso pagar-lhes condignamente... O Ministério tem as suas razões, mas parece ter havido uma má estratégia na justificação das medidas, em que não se conquistou a adesão dos professores mais empenhados, que existem muitos.

A hierarquia vertical tem a suas desvantagens, nomeadamente no trabalho de cooperação que é importante que exista para o trabalho pedagógico dos professores, sobretudo no ensino básico, em favor dos alunos. A competitividade e luta pela progressão na carreira vai gerar situações perversas. Vou colaborar com o outro quando estou em competição com ele(a) por um lugar, por uma valorização salarial?

O discurso ( «é preciso impor regras que valorizem o trabalho em equipa»; «o eixo comum é o trabalho em equipa»; «insisto: o trabalho em equipa tem de ser reforçado» - Ministra da Educação, Público 4 Junho 2006) não condiz com as políticas:

1. Como existirá alguma vez «trabalho em equipa» entre os professores se o Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente (ainda se chamava na versão 1) proposto pelo Ministério da Educação estimula a hierarquização, a divisão, o individualismo, a desconfiança, desmantela as funções de cooperação (partilha de recursos, investigação, produção) e prima pela ausência de tempo e espaço para desenvolver o trabalho em comum, apostando ainda num conceito vago de excelência de cariz individualista e não solidário?

2. Como germinará qualquer trabalho cooperativo aplicando-se esse «Darwinismo social», em que os docentes passam a viver em concorrência entre si, num processo pouco transparente e objectivo, prevalecendo o mais apto (mais astuto, forte, feroz e até o lambe-botas e não necessariamente mais apto ou competente – para nem falar no mais munido de influências e cunhas tão ao jeito da cultura nacional...), numa luta pela sobrevivência - progressão na carreira - anterior à preocupação social, que é a pedagógica e educativa?

3. Como se criam condições para esse trabalho em equipa se se fomenta a competição – é um conceito ambivalente e não é um bem em si mesmo – contra os pares, por um lugar de acesso à progressão na carreira (bens escassos), jogando com o básico instinto de sobrevivência? A conquista de uma progressão passa a depender não só do meu esforço e qualidade, mas também da capacidade (ou falta de carácter) em afastar e anular a concorrência, naquela ideia que os fins justificam quaisquer meios.

4. O previsível aumento da conflitualidade interna, o maior desgaste, "burnout" profissional e a degradação dos ambientes escolares em que medida concorrem para o «trabalho em equipa»?

5. Será justo e razoável exigir ou impor aos professores o «trabalho em equipa», no momento em que se retiram uma série de condições para que esse trabalho em equipa pudesse ser estimulado e germinar?

6. Como pode ser imposto por «regras», administrativa ou burocraticamente, o «trabalho em equipa», reduzido a um ritual formalista de adesão forçada?

Desculpe ser longo.
A Educação é um assunto tão envolvente quanto complexo...

As melhores e maiores felicidades.
nelio de sousa
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Vital Moreira realizou outro comentário e o assunto ficou "esgotado":

«Obrigado pelos seus comentários. Não estou de acordo com tudo mas compreendo o seu ponto de vista.
Quanto à polémica com o SE: eu penso que o Governo deve pôr fim às negociações quando entenda que elas já não dão nada (o que já me aprece evidente), mas não pode condicionar o prosseguimento das negociações (se ainda lhes vê alguma utilidade...) ao fim os protestos dos professores.

Cordialmente

Vital Moreira»
21 October 2006 01:58

2 comentários:

  1. Um blogg sem ataques ao Ministério da Educação não é blogg!
    Pela forma e quantidade de vezes que este tema tem aparecido nos bloggs que frequento, diria que os professores tem pelo menos o mérito de serem os detentores de uma grande percentagem dos bloggs do país.

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  2. amsf ... que oportuno ... sabe, talvez os professores sejam detentores da maioria dos blogues porque:
    1º sabem expressar-se;
    2º têm vontade de o fazer;
    3º é essa uma das suas competências;
    4º estão profundamente revoltados e como pessoas esclarecidas utilizam o seu direito à expressão e;
    5º não me apetece dirigir-lhe mais palavras.

    Quanto a Nelio de Sousa, expresso simpatia porque também eu já escrevi ao Professor Vital. Detestei as respostas que ele lhe deu a si. Dada a cronologia, foram anteriores à minha. Penso que fez bem. Que eu própria fiz bem também. Se todos nos expressarmos de forma correcta ou pelo menos humana, teremos cumprido a nossa missão.
    Não sei se me fiz entender. Estou muito triste com toda esta situação nacional. Preocupada.
    Abraço

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