«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, novembro 18, 2006

Madeira & República XXIII: questão de fundo da LFRA

A Lei de Finanças das Regiões Autónomas foi aprovada na generalidade, mas não colheu o consenso da lei de 1998. Passou apenas com os votos do partido que suporta o Governo. Para além de todos os aspectos formais (legais e constitucionais) e financeiros (perdas de verbas para a Madeira relativamente ao ano anterior), a questão de fundo é saber se a nova LFRA traduz ou não um retrocesso para as autonomias insulares.

Na intervenção inicial, na Assembleia da República, antes da votação na generalidade, no dia 15 de Novembro, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, não só disse que a LFRA está em «absoluto respeito» para com a Autonomia como até constitui um «reforço» da mesma, conferindo-lhe «substância». E logo avisou que a «Autonomia não é um princípio vago onde cabe tudo sem limites.» A legalidade é um desses limites da autonomia financeira.

Luís Fazenda do BE afirmou que o Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas está a ser «retalhado às fatias» ao longo do tempo por esta ou aquela razão. Desta vez é o enquadramento financeiro e o Pacto de Estabilidade imposto por Bruxelas o "pretexto" para o "retalho" da presente fatia. Acha que essa questão é «mais importante» do que a questão do «dinheiro». Porque implicará, alegadamente, um recuo da Autonomia.

O discurso de Mota Amaral do PSD marcou o dia da discussão/votação da LFRA, na generalidade, passando por cima das questões prévias e formais, já muito debatidas e conhecidas, fazendo uma intervenção de fundo e de qualidade sobre o sentido, a natureza específica e a complexidade do regime autonómico e da vida nas duas regiões insulares (texto da intervenção em anexo, nos comentários deste post, ou na página electrónica do PSD).

A LFRA pode até cumprir os requisitos legais e constitucionais, mas isso não equivale, nesta matéria e circunstância, a não haver retrocesso da Autonomia. A eventual decisão favorável do Tribunal Constitucional à LFRA constituirá uma circunstância que desarmará e tornará mais difícil vingar os argumentos contra o "retalhar" do Estatuto Político Administrativo da RAM e a marcha atrás de algumas conquistas autonómicas, que não são irreversíveis, como se prova agora. Há uma questão política maior além das questões financeiras, de legalidade e constitucionalidade.

Guilherme Silva, deputado do PSD-M à Assembleia da República disse, no debate e votação da LFRA, que se pretende «impor uma leitura constitucional da Autonomia.» No futuro, não se sabe se outras circunstâncias, outras conjunturas ou maiorias absolutas serão passíveis de fazer recuar o que está inscrito no Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas, independentemente da opinião que cada qual tem sobre o que está derramado nesse Estatuto.

Já são conhecidos os pareceres (ver aqui síntese) de Marcelo Rebelo de Sousa e Eduardo Paz Ferreira («académico que mais sabe sobre Finanças Regionais», disse Mota Amaral na discussão/aprovação da LFRA), pelo lado das pretensões do Executivo regional, e dos constitucionalistas Jorge Miranda e Gomes Canotilho, pelo lado das pretensões do Executivo nacional.

A conclusão, para já, diante dos dados disponíveis, é esta: por mais razão e fundamento legal e constitucional que tenham os pareceres de uns e de outros são incontornáveis as «desconformidades» entre a LFRA e os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas, que implicará o retrocesso de alguns aspectos estabelecidos e aprovados nos referidos documentos maiores dos arquipélagos.

Nomeadamente, a diminuição do montante das transferências face ao ano anterior ou a proibição de o Estado ser avalista nos empréstimos das regiões autónomas e de assumir as respectivas dívidas. Poderia não estar no Estatuto mas está. Mota Amaral, no seu discurso, considerou ser uma «ostensiva e mesmo acintosa dessolidarização do Estado em relação à dívida pública das Regiões Autónomas.» E ao dizer-se isto não implica pactuar-se ou (premiar) eventuais gestões despesistas ou assentes no endividamento («responsabilizando as regiões mais ricas, como é o caso da Madeira, dentro das suas possibilidades», afirmou aquele deputado). Não é isso que está em causa em primeira instância. Mota Amaral chegou ao ponto de afirmar, no seguimento da «dessolidarização», que se trata de um «sinal de separação e de ruptura.» Separação de opinião, não se vejam aqui tontarias ou delírios separatistas (flamistas) como por cá gostam alguns de cultivar: «A proposta divide em termos de opinião. É a isso que eu me refiro e mais nada», fez questão de sublinhar em resposta à pergunta do Jornal da Madeira sobre uma suposta «divisão dos portugueses»...

Resta saber se o equilíbrio orçamental é argumento que cobre todas estas consequências para a o regime autonómico e vida nas ilhas. Uns acham que sim, outros acham que não. Outros ainda lhe juntarão, subjectivamente, um "rebuçado", que não é mais do que uma desforra perante o estilo desrespeitoso de meia-dúzia de políticos regionais, às fragilidades do actual modelo de desenvolvimento da Madeira e à prepotência de 30 anos de "reinado" absoluto do PSD-M, que esmagou e humilhou as vozes dissonantes. Estes antecedentes não terão motivado uma atitude mais flexível e dialogante do Executivo nacional face à Madeira em matéria da LFRA. A Autonomia confundiu-se com a governação da Madeira.

Poderá, assim, ficar em causa a «indispensável dimensão e viabilidade financeiras à Autonomia Insular» de que falou também o ex-presidente do Governo açoriano. E disse mais: «Temos de resto alertado a opinião pública e o Governo para a insuficiência dos recursos financeiros atribuídos às Regiões Autónomas, face ao novo patamar de necessidades públicas decorrentes do avanço do desenvolvimento insular.» Para além das dificuldades insulares, entre elas a difícil orografia da Madeira, referiu que os «novos serviços de apoio às populações», os «urgentes desafios ambientais e energéticos a enfrentar», as dificuldades na «diversificação da economia» e na «criação de empregos» precisam de suporte financeiro e da solidariedade do Estado.

Com outra opinião, um leitor referiu no post Madeira & República: rigor e transparência, mas também realismo e justiça, que «fica a ideia também que o Estado português tem o dever (legal?!) de garantir a autonomia financeira da Madeira. Quem é que garante a minha!? Acho absurda esta pretensão» ( Sexta-feira, Novembro 17, 2006 4:31:00 PM ). Ou ainda: «nesta ordem de ideias quem garante a independência financeira das autarquias, de qualquer indíviduo ou mesmo do país? Estamos mal habituados. A Madeira tem recebido uma espécie de rendimento mínimo que agora, paulatinamente, vai sendo retirado uma vez que atingiu um certo nível de vida e as pessoas admiram-se! O que se passa com os indivíduos é o que é desejável que se passe com as regiões, autarquias etc! Suponho que um detentor do rendimento mínimo não tenha a espectativa de o continuar a receber apesar de ter melhorado significamente a sua situação!!!» ( Segunda-feira, Outubro 09, 2006 5:12:00 PM ).

Paz Ferreira, considerado "pai" da Lei de Finanças Regionais, num parecer solicitado pelo Governo Regional sobre a proposta de revisão daquela lei, afirma que, «coerentemente com a Constituição de 1976 e os Estatutos Político-Administrativos, a independência financeira das regiões autónomas constitui um dos aspectos mais importantes da autonomia política da Madeira e dos Açores». Independência financeira baseada nas transferências do Estado, para que as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira disponham dos «meios» «para a concretização da autonomia consagrada na Constituição e nos Estatutos Político-Administrativos», cita ainda o Diário (7.10.2006) o estudo de Paz Ferreira.

O Diário refere ainda que, «de acordo com o princípio [da solidariedade Estado-Regiões Autónomas], na versão estatutária, trazida à baila por Paz Ferreira, o Estado fica vinculado a suportar os custos das desigualdades derivadas da insularidade, designadamente no que se refere a transportes, comunicações, energia, educação, cultura, saúde e segurança social.»

Resumindo, mais do que todas as questões legais, constitucionais e financeiras, embora sejam importantes, na alçada dos tribunais, entre eles o Tribunal Constitucional, e do Ministério das Finanças, há a questão política relativamente à salvaguarda da Autonomia, sobre o qual há diferentes visões e entendimentos (haverá mesmo quem gostasse de ver o regime autonómico recuar a 1976...). É isso que caberá ao Presidente da República ponderar, acima de tudo.

Será que um economista tenderá a ver a LFRA sobretudo numa perspectiva financeira - actual crise económica, reequilíbrio das finanças públicas, pacto de estabilidade e, até, pode lembrar-se de alguma gestão despesista e do endividamento da Madeira... - mais do que numa perspectiva político-autonómica? Cavaco Silva referiu, recentemente, a importância do «rigor das Finanças Públicas» para «reduzir o défice».

Aguardemos, pelas decisões das instâncias constitucionais e democráticas do país (incluindo a Assembleia da República, onde a LFRA está a ser analisada na especialidade), sem ruído e inFlamações: «demasiado ruído tem envolvido essa discussão e quando o ruído é excessivo, a análise nem sempre é serena», alertou ainda o Presidente da República, para ambos os lados.

Ainda sobre a discussão e votação da LFRA, na AR: Madeira & República XXII: LFRA avança apenas com votos do PS

2 comentários:

  1. Intervenção de Mota Amaral sobre a
    Proposta de Lei n.º 97/X
    (Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas), na Assembleia da República:

    Senhor Presidente,

    Senhores Ministros e Secretários de Estado,

    Senhoras Deputadas e

    Senhores Deputados:


    A Autonomia dos Açores e da Madeira é uma das mais profundas transformações institucionais derivadas da Revolução do 25 de Abril.

    Foi, talvez por isso, uma das mais difíceis de levar a cabo. Estruturar os dois arquipélagos como Regiões Autónomas não afectou apenas a organização político-administrativa deles e o conteúdo da cidadania das suas populações: — alterou também profundamente a própria estrutura do Estado Português, vibrando uma machadada decisiva nas tradições e práticas de um centralismo ancestral, aliás de perversas consequências.

    Pôr de pé órgãos de governo próprio democrático nos dois arquipélagos foi tarefa simples, bastando para tal que se realizassem eleições livres, por sinal convocadas para o mesmo dia da primeira eleição do Presidente da República, 27 de Junho de 1976.

    Organizar a Administração Regional já foi mais complicado… Sobretudo porque era necessário transferir competências e serviços até aí no âmbito da Administração Central — e ceder poder não é coisa que o centralismo da capital ainda hoje aprecie, muito menos naquela altura, quando tão vivos estavam os traumatismos do fim do império colonial.

    Quanto à Autonomia financeira, instrumental para operacionalizar a Autonomia política e a Autonomia administrativa, em serviço das necessidades das populações, tudo foi mais difícil ainda.

    A Constituição dispôs sobre a matéria em termos muito genéricos. Os recursos financeiros cobrados em cada uma das Regiões Autónomas eram escassos, correspondendo ao lamentável estado de subdesenvolvimento em que se encontravam. Face ao atraso patente, as necessidades eram enormes e as expectativas acalentadas por Açoreanos e Madeirenses muito elevadas. A dinâmica da Autonomia não consentia, porém, hesitações nem paragens. Aliás, todo o País se equipava e progredia e seria inaceitável deixar ficar para trás os Açores e a Madeira.

    Ao fim da primeira década de vigência, a Autonomia de ambas as Regiões tinha atingido altitude de cruzeiro. Quase tudo o que havia para regionalizar tinha sido regionalizado, nomeadamente os serviços de saúde e de educação. Mais de dois terços das despesas e quase três quartos do funcionalismo regional correspondiam a estes serviços, cujos padrões decorrem de leis gerais da República e exprimem afinal direitos de cidadania, iguais em todo o País. E era do remanescente que saía tudo o mais que havia que fazer na agricultura, nas pescas, no comércio, na indústria, na energia, no turismo, nas comunicações e transportes, terrestres, marítimos e aéreos, na cultura, na comunicação social, no apoio às comunidades de emigrantes espalhados pelo mundo, sei lá que mais…

    Bem se reclamava, em sintonia, de Ponta Delgada e do Funchal para Lisboa, um novo arranjo financeiro, que tivesse em conta a dimensão de Estado da Autonomia insular. Na falta do desejado novo esquema, estável, de repartição dos recursos financeiros públicos entre o Estado e as Regiões Autónomas, persistiam negociações anuais, desgastantes para ambas as partes. E a insuficiência da parcela atribuída aos Governos Regionais tinha por consequência, em fase de acelerado investimento em infra-estruturas, o crescimento da dívida.

    É de justiça referir que foi no tempo de Governo do PS, liderado pelo Primeiro-Ministro António Guterres, imbuído de um ideário personalista, que foram dados passos decisivos no sentido de uma alteração qualitativa da atitude do Poder Central quanto à autonomia financeira regional. Ajudou muito também a eleição de Carlos César para Presidente do Governo Regional dos Açores em Outubro de 1996, por vincular o PS às responsabilidades directas da governação insular. E ainda a escolha de António Luciano Sousa Franco para Ministro das Finanças — o único que até agora cumpriu em tal cargo um mandato de legislatura completo — profundo conhecedor dos problemas financeiros das Regiões Autónomas, acompanhados em pormenor ao longo do seu notável desempenho como Presidente do Tribunal de Contas.

    O primeiro sinal surgiu logo na revisão constitucional de 1997, com a introdução, denodadamente promovida pelo então Deputado José Manuel Medeiros Ferreira, da figura da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, da competência reservada da Assembleia da República, elevada à categoria de lei orgânica.

    Sem perda de tempo, um Grupo de Trabalho, com decisiva participação dos Governos Regionais e presidido pelo académico que mais sabe sobre Finanças Regionais, o Professor Eduardo Paz Ferreira, promoveu um amplo processo de diálogo, que envolveu as forças vivas dos dois arquipélagos, e no qual a longa experiência directa do Presidente Alberto João Jardim se revelou fundamental.

    A proposta do diploma daí resultante, vivamente debatida neste Parlamento e nele melhorada, veio a transformar-se, mediante aprovação por unanimidade, na Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.

    O novo diploma foi saudado, em ambas as Regiões Autónomas — que por ele tanto tinham lutado unidas (A união faz a força!) e com tão bons argumentos de justiça e de solidariedade — como um marco histórico na consolidação da Autonomia Constitucional.

    Gostaria de analisar aqui o conteúdo desta lei, as suas inovações e os seus limites. O tempo regimental, porém, não mo consente.

    Limito-me a assinalar que aliviado o sufoco financeiro do período anterior, beneficiando ainda por cima de quantiosos recursos provenientes da União Europeia, reforçados em função do conceito de ultraperiferia, as Regiões Autónomas aceleraram o seu processo de desenvolvimento. Tomando por base as infra-estruturas essenciais realizadas no período anterior, os Governos Regionais dos Açores e da Madeira, secundados pelo Poder Local democrático e ambos estimulando a iniciativa privada, têm levado a efeito uma missão de progresso geral e de melhoria do bem-estar de Açoreanos e Madeirenses, de evidente ressonância nacional.



    Senhor Presidente,

    Senhores Ministros e Secretários de Estado,

    Senhoras Deputadas e

    Senhores Deputados:

    A Assembleia da República deve avaliar positivamente a Lei de Finanças das Regiões Autónomas em vigor, congratulando-se com os resultados dela derivados. Muito bem se legislou, em 1998, por iniciativa do Governo então em funções, da responsabilidade política do PS, mas com o envolvimento de todos os partidos parlamentares e o seu voto unânime!

    Assim nos comprometemos todos, em nome do Estado e da Nação Portuguesa, para darmos a indispensável dimensão e viabilidade financeiras à Autonomia Insular. Em face dos sucessos obtidos, a conclusão é que fizemos a aposta certa e valeu a pena!

    E tão prioritária se configura a tarefa do desenvolvimento das ilhas portuguesas do Atlântico, que mesmo apesar dos apertos derivados do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que assegura a participação de Portugal na moeda única europeia e nas enormes vantagens daí decorrentes, a primeira opção do Estado foi respeitar integralmente os compromissos assumidos com as Regiões Autónomas.

    Assim, reconhecendo a justeza das reclamações feitas pelos responsáveis insulares, tanto em 2003 como em 2004 e mesmo em 2005, as faculdades limitativas previstas na Lei de Estabilidade Orçamental nunca foram accionadas. Só em 2006 tal veio a acontecer, implicando o congelamento das transferências do Estado no valor do ano precedente.

    Do que se trata, agora, porém, já não é da suspensão de alguns preceitos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, por grave motivo de salvação pública, que é sempre a lei suprema, embora imperioso se torne demonstrar sempre a sua existência e o seu concreto conteúdo, conforme até determina a Lei de Estabilidade Orçamental.

    Com a Proposta de Lei n.º 97/X, o que o Governo pretende é substituir a Lei n.º 13/98, em vigor, revogando-a integralmente, para não deixar lugar a dúvidas e substituindo-a por um outro diploma, inspirado por objectivos diferentes.

    Ora, para o PSD, a lei em vigor, sendo boa e mesmo muito boa, não é perfeita e pode por isso ser, nos devidos termos, aperfeiçoada. Temos de resto alertado a opinião pública e o Governo para a insuficiência dos recursos financeiros atribuídos às Regiões Autónomas, face ao novo patamar de necessidades públicas decorrentes do avanço do desenvolvimento insular.

    É que à medida que as Regiões Autónomas investem em infra-estruturas e em equipamentos colectivos, aumentam logicamente os custos da respectiva manutenção. No caso dos Açores, com a dispersão por nove ilhas, este problema é seriíssimo. Basta pensar nos aeroportos e sobretudo nos portos, submetidos a condições de mar notoriamente duras a até mesmo algumas vezes assustadoras, no quadro global da mudança climática. Na Madeira é a orografia que mais castiga, tornando o rasgar de estradas e a sua conservação numa verdadeira aventura.

    Por outro lado, os novos serviços de apoio às populações, nomeadamente transportes, energia, educação e mais ainda saúde, num quadro de dispersão arquipelágica, têm custos em crescimento exponencial. Há urgentes desafios ambientais e energéticos a enfrentar. A população é jovem, as carências habitacionais são muitas. O escape demográfico da emigração praticamente desapareceu. A diversificação da economia não é fácil, a criação de empregos também não. Surgem problemas novos, como a insegurança e a droga, requerendo acção urgente dos poderes públicos, para atalhar o seu agravamento.

    Como se tudo isto não bastasse, não têm faltado catástrofes naturais, de vário tipo, com destaque para as crises sísmicas nos Açores, de periodicidade já calculada.

    Os responsáveis regionais não se têm atemorizado — honra lhes seja! — perante a magnitude dos problemas da governação insular. E têm vindo a ensaiar soluções criativas para que o processo de desenvolvimento não sofra qualquer frustrante travagem. Reflexo disso é o crescimento da dívida pública regional, agora indirecta, por interpostas entidades adrede instituídas, reclamando já medidas adequadas, antes que o problema se complique.

    Perante este elenco de questões tão complexas e tendo em conta as suas graves implicações nacionais e externas, o que razoavelmente se deveria esperar do Governo da República era a aproximação e o diálogo com os Governos das Regiões Autónomas, num esforço de consensualização e acerto sobre as soluções a adoptar.

    A Proposta de Lei do Governo segue por outro caminho e vai contra o consenso parlamentar que originou e suporta a Lei n.º 13/98.

    A um diploma de rasgada visão solidária e nacional, proveniente de árdua consensualização entre o Governo da República e os Governos das Regiões Autónomas, catalizador do apoio unânime do Parlamento, por ter em conta os problemas então identificados, pretende-se agora opor um verdadeiro diktat, sem quaisquer lampejos de grandeza, que faz tábua rasa da nova dimensão das questões regionais e até parece inspirado pelo maquiavélico propósito dividir para reinar, porque vai dividir o Parlamento e também o País.

    Ora, em matéria tão melindrosa de estruturação do Estado democrático, a boa tradição da Constituição de Abril é o consenso parlamentar alargado, que no domínio da Autonomia logrou já tornar-se unânime. Embora como tal não seja formalmente qualificada, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas é uma verdadeira lei de regime e como tal não pode nem deve ficar na disponibilidade de uma qualquer maioria, mesmo absoluta, sempre circunstancial.

    Objectivos como fazer a solidariedade nacional funcionar nos dois sentidos, responsabilizando as regiões mais ricas, como é o caso da Madeira, dentro das suas possibilidades; ou, reforçar os apoios aos Açores, reconhecendo as especiais dificuldades da sua peculiar configuração geográfica, muito extensa e dispersa — são razoáveis e têm o meu apoio pessoal e o apoio do PSD. Seria perfeitamente possível encontrar enquadramento para eles numa revisão dialogada da lei em vigor, que trouxesse todas as partes à mesa das negociações, em vez de as hostilizar, ignorando as posições respectivas.



    Senhor Presidente,

    Senhores Ministros e Secretários de Estado,

    Senhoras Deputadas e

    Senhores Deputados:


    Um debate legislativo de generalidade não pode confinar-se a questões prévias e prejudiciais, sobre as quais abundam sempre pareceres para todos os gostos. O PSD já se pronunciou sobre esses temas, em diversas ocasiões e dispenso-me, por isso, de repetir aqui o seu argumentário. É preciso analisar agora o fundo das propostas, a sua substância, conveniência e oportunidade, sobretudo a sua conformidade com o bem comum e o interesse nacional. E é quanto a estes pontos que marcamos a nossa discordância e a nossa diferença.

    Para o PSD muito mais prático e simplificador seria determinar as receitas fiscais das Regiões Autónomas segundo um princípio geral de capitação sobre a tributação nacional. Há para tal abertura na Constituição (artigo 227º, n.º 1, alínea j) – dispor (…) de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um principio que assegure a efectiva solidariedade nacional (…)). O aumento das receitas próprias assim determinado facilitaria a gestão da dívida regional e tornaria razoável uma redução das transferências orçamentais. Com a solução proposta pelo Governo para o IVA, eliminando um esquema que vem já do consulado do Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva, caminha-se exactamente no sentido oposto.

    Discordamos também da ostensiva e mesmo acintosa dessolidarização do Estado em relação à dívida pública das Regiões Autónomas. Trata-se de um sinal de separação e de ruptura, que remete cada uma delas para um rating próprio, presumivelmente menos favorável do que aquele a que têm acesso no quadro da República Portuguesa.

    Notamos a falta, na presente proposta do Governo, das declarações enfáticas da Lei n.º 13/98 sobre a garantia de recursos suficientes às Regiões Autónomas, a co-responsabilização para o desenvolvimento, a convergência real das economias e a coesão social. Parece até que agora a única motivação é a do equilíbrio orçamental, esquecendo a sábia recomendação presidencial, tão aplaudida noutras eras: “Há mais vida além do Orçamento!”

    Verificamos a proclamação de um extenso elenco de princípios; mas lamentamos a significativa ausência: do princípio da compreensão para com as peculiares dificuldades de desenvolvimento derivadas da insularidade; do princípio do compromisso nacional para ajudar a dar-lhes solução; do princípio da coerência das posições políticas do Estado e dos partidos, como pessoas de bem. A este respeito, julgamos particularmente reprovável alterar as regras do apoio financeiro do Estado no meio de uma legislatura regional, dificultando ou impedindo mesmo a realização de compromissos de desenvolvimento, legitimamente sufragados pelos eleitorados insulares.

    E nem se diga que algumas das limitações constantes da proposta do Governo transitam já da Lei de Estabilidade Orçamental, pois esta rege uma situação transitória, a superar com a desejada consolidação financeira, prometida para 2008, enquanto a Lei de Finanças das Regiões Autónomas é um diploma estruturante com alargada estabilidade, só se antevendo a sua revisão em 2014.

    E quanto à previsibilidade de recursos disponíveis pelas Regiões Autónomas, que se afirma ficar assim garantida, tenha-se em conta que é atingida em baixa, relativamente aos valores anteriormente praticados — e resta saber se a Lei de Estabilidade Orçamental não poderá mais ser invocada para determinar ainda maiores reduções.

    A propósito da recolha de informações e da reconfiguração do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, ressalta a desvalorização do princípio da confiança nas instituições democráticas regionais, para o exercício de cujas competências se prevêem formas de controle inapropriadas, senão mesmo vexatórias.

    É que as Regiões Autónomas não são possessões portuguesas, para as quais de Lisboa se possa determinar o que apetecer, mas sim a própria organização do Estado Português nas longínquas ilhas do Atlântico, Portugal aí, prolongando-se e reinventando-se no meio do mar, no histórico protagonismo dos povos insulares. E os Governos Regionais não são entidades hierarquicamente subordinadas ao Governo, mas sim, no domínio das suas competências, exercendo o poder executivo que a Constituição lhes confere, o Governo Português de cada um dos arquipélagos, estabelecidos ao abrigo dos respectivos Estatutos Político-Administrativos, que são actos do Parlamento, o poder supremo na República.

    É por tudo isto que estamos em profundo desacordo com a Proposta de Lei do Governo!

    A Lei de Finanças das Regiões Autónomas é, porém, matéria da competência reservada da Assembleia da República e envolve, por isso, maximamente, as suas responsabilidades constitucionais e nacionais. As Regiões Autónomas, como parcelas importantes do Estado e do Povo Português, necessitam e merecem respostas justas aos problemas que enfrentam. A Proposta de Lei do Governo não satisfaz, como se demonstrou, tais objectivos. Por isso, no entendimento do PSD, tal como está, não pode ter aprovação na generalidade. Apelamos ao Parlamento para que, numa missão patriótica, visando o máximo consenso e em diálogo com as Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira, dê ao Pais a necessária revisão desta lei fundamental.

    João Mota Amaral
    Copyright, 15.11.2006
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  2. Mota Amaral, no seu discurso, considerou ser uma «ostensiva e mesmo acintosa dessolidarização do Estado em relação à dívida pública das Regiões Autónomas.»

    Mota Amaral fala de falta de solidariedade (dessolidarização) do Estado em relação às Regiões Autónomas no entanto na Madeira e na Grande Entrevista o que ouvi é que a Madeira estava disposta a continuar a ser solidário com o Continente tendo em conta a situação de crise que o país atravessa. Sublinho - A MADEIRA ESTA DISPOSTA A CONTINUAR A SER SOLIDÁRIA. É grande a diferença entre a afirmação de Mota Amaral e Alberto João Jardim..são tão diferentes que se opõem no significado!!!

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