«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

terça-feira, agosto 14, 2007

Da resistência à difamação

«Jardim afirmou que não dava audiências a quem o trata por terrorista e anunciou que ia processar novamente [João Carlos] Gouveia» (Diário 13.8.2007). Por difamação, claro está.





A afirmação de uma alternativa política, mais do que qualquer denúncia bombástica, é o combate mais eficaz aos pecados apontados ao actual poder na Região.

Recorde-se que, há uma semana, em declarações ao Expresso, o novo líder do PS-M reiterava uma série de acusações relativamente a Alberto João Jardim e à governação da Região, após ter sido condenado a pagar 35 mil euros, num processo por difamação movido pelo presidente do Governo, por declarações de teor análogo.

«[A] FLAMA (Frente de Libertação da Madeira), pela mão de Alberto João Jardim, controla a região autónoma. "A economia, a sociedade e as instituições são dominadas pelos homens da FLAMA", afirma João Carlos Gouveia. E acrescenta, aparentemente sem temer as repercussões das suas palavras: "Alberto João tem de ter recursos financeiros para fomentar a corrupção, para fomentar o bem-estar de uma elite que tem à sua mão" (Expresso 4.8.2007).

«Em declarações ao Expresso, o deputado regional eleito no último fim-de-semana como o novo presidente do PS-Madeira acusa Alberto João Jardim de ter como objectivo final a independência do arquipélago, ao ressuscitar a Flama, organização terrorista que actuou na região entre 1974 e 1978, recorrendo ao uso de bombas.»

Para afirmar que «Alberto João é a Flama» e coisas mais é preciso, no mínimo, ter sustentação sólida. Dados concretos e consistentes para absorver o impacto de processos legais, isto é, para não dar sustentação a processos judiciais por difamação. Sobretudo sendo-se reincidente e sem poder contar com a imunidade parlamentar. Para os tribunais, o que conta é o factual e não o político.

João Carlos Gouveia vai, se calhar, ainda mais longe do que anteriormente. Não sabemos se quer autoflagelar-se ou tornar-se um mártir: segundo o Expresso, «reafirma que todos os seus recursos vão ser gastos em denunciar “o regime”, assumindo o risco de novas “condenações que possa a vir a ter nos tribunais”.»

Quem conhece pessoalmente e é amigo de João Carlos Gouveia fica preocupado com a nova escalada verbal. Porque é mais do que provável, para não dizer certo, que os tribunais venham a dar razão, de novo, a Alberto João Jardim.

Faz lembrar um pouco a situação verbalizada por José Mário Branco no célebre FMI: «Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é?»

Por outras palavras, é complicado entregar-se, voluntariamente, para a imolação, de modo a que os demais se libertem da suas agruras e aflições. «Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz», desejam alguns, no conforto da sua inacção cívica. João Carlos Gouveia deve ter, com certeza, ponderado o seu «sacrifício» ou imolação. Se vale a pena.

O que se quer aqui dizer é o seguinte: a coragem para denunciar e resistir é meritória. Mas, denunciar e constatar indícios de corrupção e de passividade face à mesma é diferente de chamar corrupto ou terrorista a uma pessoa em particular. É preciso cautela quando não se tem os meios para investigar e fazer prova do que se alega.

aqui se disse compreender-se a «injustiça por ser levantada a imunidade parlamentar a uns e não a outros, de uns poderem ser condenados por ofensa e difamação quando outros autores de insulto, de ofensa e prepotência não caem nas malhas da lei e da justiça, permanecendo impunes, apesar da prática continuada. O levantar da imunidade parlamentar não deveria estar ao sabor do arbítrio de uma maioria absoluta.»

Também se disse que «quem luta, mesmo que não tenha sempre razão ou se exceda não pode ser abandonado». «Não pode ser abandonado, sobretudo, numa terra onde abunda o oportunismo, o interesse pessoal e é rara a solidariedade nos momentos difíceis, quando mais faz sentido a solidariedade.»

Todavia, «interessará sempre acautelar os riscos legais, até para a luta reunir mais apoios, ser mais eficaz e não ser descredibilizada.» Para não criar dificuldades (impossibilidades) a essa solidariedade, que não pode subscrever determinadas afirmações ou formas de denúncia, sobretudo difamatórias e reiteradas. Para não se passar de bestial a besta, como se diz popularmente.

O risco é, perante a insistência na reiteração de comportamentos difamatórios, João Carlos Gouveia acabe por deixar menos espaço de manobra e venha a sentir dificuldade em manter essa solidariedade recebida no contexto da primeira condenação por difamação.

As atenuantes de então - a atitude de resistência, episódios como o carro incendiado ou a injustiça pelo levantamento criterioso da sua imunidade parlamentar - podem não garantir, como no primeiro caso julgado, a solidariedade de tantas pessoas (mesmo sem que essa solidariedade equivala à subscrição da forma como as denúncias foram efectuadas).

Isto apesar de sabermos que o que interessa, nesta ilha, é não fazer ondas, não perturbar a inércia e a paz podre; que por debaixo da precaução, da cautela, da desconfiança, da falta de audácia e coragem, da submissão e conformismo atávicos, dos «brandos costumes», do evitar do conflito, do acabrunhamento, habita o medo entranhado.

O que se quer ainda dizer é o seguinte: enquanto responsável máximo pelo principal partido da oposição, um partido de poder, João Carlos Gouveia não poderá actuar como se fosse apenas deputado ou estivesse numa área política mais extrema, sem desconsideração por esse espaço político ou pelos pequenos partidos.

O discurso radical e difamatório sem elementos que o sustentem poderá afastar eleitorado, para além de militantes e dirigentes (incluindo dirigentes e governantes nacionais se for aberta e publicamente hostil ao rumo do executivo de Sócrates).

Em lugar da prometida transição, o PS Madeira poderá enfrentar um corte com o passado e gerar novas dificuldades, nomeadamente nos próximos actos eleitorais em 2008 e 2009, já que o caminho não é preparado.

Compreende-se e enaltece-se o espírito combativo e a denúnica de maleitas regionais; compreende-se a perda de paciência e a desmotivação ao fim de 30 anos (há coisas nesta ilha para as quais não há pachorra), mas é preciso um discurso mais abrangente, distanciando-se do discurso virulento, hostil e ofensivo de alguns dirigentes do PSD Madeira.

Combater os vícios e defeitos do actual poder na Região passa sobretudo pela afirmação de uma alternativa política e não tanto por denúncias, por mais bombásticas que sejam. Nem sempre se combate o fogo com fogo.

E a afirmação de uma alternativa, seja na oposição ou no seio do próprio PSD Madeira, capaz de cativar o eleitorado, passa por um corte com o "jardinismo" e pela afirmação de uma voz própria. Para marcar diferença e vingar.

(Photo copyright Diário de Notícias)

4 comentários:

  1. Ao Nélio,

    Concordo plenamente contigo.

    O JCG e o PS-M, se não corrigirem o rumo vão no caminho do suicidio colectivo, que poderá inviabilizar por muitos mais anos uma possível alternância de poder que esta terra necessita.

    Esperemos mudanças para breve!

    Cumprimentos

    Roberto Rodrigues
    Cortar (d)a Direita

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  2. Podem revelar coragem as denúncias de JCG no entanto suponho que não trarão resultados concretos.
    A mudança política só se fará com a participação esclarecida de todos os eleitos (PS)nos vários orgãos políticos da região e não com corridas de 100 metros do líder do PS. "Estamos" numa maratona (+ 8 anos) e não numa corrida de 100 m inconsequente. A oposição não tem elementos esclarecidos e abnegados em número suficiente para denunciar os pequenos e grandes esquemas que
    vigoram nesta região.

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  3. ver

    http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LN_5194_1_0001.htm

    As acções para perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são interpostas pelo Ministério Público ou por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido.

    O Ministério Público tem o dever funcional de propor as acções referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.

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  4. Bom texto...

    Pese a realidade venha a demonstrar que a Madeira ainda não dispõe de uma população politicamente madura (basta notar que a necessidade natural de alternância não é sentida pela maioria população e este é um dos factores que podem comprovar uma certa maturidade política de um dado eleitorado), existe uma premissa que é básica para os chamados partidos de massas - categoria na qual se insere o PSD e o PS: as eleições ganham-se ao centro. Ou seja estes partidos numa situação normal - sem que haja factores extraordinários ou marcantes de relevo como uma revolução ou atentado, etc. - têm de tornar abrangente o seu programa de forma a tentar o máximo de sensibilidades e assim garantir o máximo de votos.
    Daí o facto de os pequenos partidos terem à partida um discurso mais radical que estes partidos que disputam o "centrão"...

    Por outro lado, ao estar sempre a invocar os mesmos argumentos sem estar a apresentar provas concretas, apenas cria um desgaste desnecessário de imagem, assim como provoca a descredibilização do partido...

    Existem vários factores que permitiram/permitem a perpetuação do poder do PSD-M e do jardinismo ao longo destes 30 anos (aliás são mais que conhecidos)...Não me irei alongar muito mais, mas a oposição na Madeira - com muitas culpas para o PS - nunca soube/quis compreender realmente as bases que estão por detrás das sucessivas vitórias do PSD na Madeira.
    Numa região desprovida de uma elite forte (como os Açores sempre tiveram, basta olhar ao longo dos tempos os lugares chave onde já tiveram açoreanos, assim como os seus vultos literários e não só), a imagem que passou durante grande parte destes anos, foi que o PS era um partido elitista, nada ligado "às gentes", numa terra em que o estilo de discurso de Jardim se adequou na perfeição ao eleitorado...depois é um partido que está repleto de facções inimigas, passando uma imagem de muito pouca unidade. Os líderes do mesmo parece que estão sempre a prazo...

    Mas por outro lado, será difícil ao PS-M ganhar ao PSD-M no próprio terreno dele. Não será com as peixeiradas que o Jacinto Serrão fez na assembleia faz uns tempos a responder a Jaime Ramos (os célebres sifões), que o PS-M se poderá constituir uma verdadeira alternativa...

    Na minha modesta opinião, enquento jardim estiver no poder, será muito díficil o PS-M ganhar alguma coisa. A aura criada por este movimenta verdadeiras multidões que lhe perdoam todos os dislates - e são cada vez mais embaraçosos vindo de um homem que tem as responsabilidades que tem e ao fim ao cabo é a imagem da região. Digo isto, porque o PSD-M não é muito diferente do PS-M, e no dia em que o elemento conciliador das várias facções sair - Jardim - julgo que será díficil manter a unidade deste partido (poderei estar enganado, mas aparenta-me que poderá rebentar uma pequena guerra civil que a simples distribuição de pelouros não chegará para agradar as diferentes hostes).

    Mas para tal, terá que haver um projecto credível e como dizes e bem, diferente em muitos aspectos do jardinismo.

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