«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, setembro 27, 2008

Caso Magalhães

Se quer um pequeno portátil a sério, há muitas opções - como o Asus na imagem - antes do trambolho estético chamado Magalhães, com várias limitações técnicas, concebido para crianças dos 6 aos 10 anos, mas posto agora no mercado português para, imagine-se, adultos...
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«As entregas de computadores nas escolas pelo primeiro-ministro são uma peça essencial da propaganda [encenação mediática] governamental de sucesso garantido a abrir um ano eleitoral», escreve hoje no Público José Pacheco Pereira, um programa que custa 200 milhões de euros à partida.

«Como é óbvio, ninguém deixa de gostar que lhe dêem coisas», acrescenta o articulista, para depois comparar ao caso de Valentim Loureiro, tão criticado por populismo, célebre pelas distribuição de frigoríficos e outros electrodomésticos.

Contudo, não há garantia que os computadores venham a ser bem utilizados, com significância pedagógica.

Como já tivemos oportunidade de sublinhar aqui neste blogue (Programa e-escola, que proveitos? ou Ilusão de Sócrates), o companheiro bloguista do Abrupto acusa José Sócrates de estar «convencido de que são os gadgets que mudam as pessoas, numa visão tecnocrática típica, sem perceber que o modo como as pessoas os usam pode ou não ser vantajoso conforme as literacias prévias que possuam

Não há volta a dar a este argumento e a esta realidade. Para alguns, o computador individual e a Internet acabarão sendo "rentabilizados" em actividades de lazer como os jogos.

E nem se pode apelidar esta questão essencial de aspecto colateral ou acessório.

«Se for para jogos é outra coisa, se for como brinquedo tem certamente mais sentido, mas não é suposto o Estado distribuir consolas de jogos. Ou se é, na verdade as consolas de jogos são muito mais eficazes na idade do básico, não é suposto que essa seja uma prioridade pedagógica.»

Diz ainda a propósito: «se os computadores servem para procurar resultados de jogos de futebol ou pornografia, pouco mais acrescentam ao que se pode fazer com o teletexto da televisão e os canais por cabo e não "modernizam" nada.»

Qualquer análise crítica destoante, como aquela que permitiu desnudar a suposta portugalidade do Magalhães, não tem impacto e «incomoda muito pouca gente no ambiente de aceitação acrítica da governação e do embevecimento tecnológico que o povo recordista dos telemóveis inevitavelmente tem.»

Pacheco Pereira desafia o Governo, por exemplo, a «mostrar as consultas, os estudos, que fez previamente, sobre as vantagens pedagógicas do Magalhães, por especialistas da educação».

O comentador cita um relatório do Departamento de Educação americano: "A tecnologia parece ser completamente irrelevante quando se trata de ajudar estudantes a melhorarem os seus níveis de aproveitamento académico." Se não seguiu o link, é pertinente neste contexto: Programa e-escola, que proveitos?

Dito de outro modo por Pacheco Pereira, que não põe em causa o contacto com a tecnologia por parte das crianças, «não é líquido que a aparente evidência de que quanto mais cedo for a exposição ao mundo dos computadores, através da opção pelo computador individual (um elemento básico desta escolha é a individualização da máquina), melhor será a aprendizagem e a info-inclusão.»

A aquisição de competências básicas como a leitura e a matemática não melhoram com a posse do compuador individual, é óbvio.

Como tínhamos aqui defendido, Programa e-escola, o outro lado, «tem muito mais sentido facilitar a presença de computadores em casa para a família, baixar o preço das comunicações, em particular a banda larga, e generalizar competências nos adultos, de modo a que as crianças que com eles convivem possam conhecer um ambiente amigável com os computadores, sem deixarem de fazer os trabalhos de casa escrevendo e lendo, sem ser fazendo copy-paste ou serem atirados para procuras na Internet cuja relevância não têm, como muitos dos seus professores, as literacias para julgarem.»

O historiador põe em causa também a pertinência do programa e-escolinhas: «existe nalgum país europeu um programa semelhante ao do Governo português, mesmo quando neles se comercializa o Classmate? Não.»

«E a razão percebe-se muito bem: o tipo de contactos necessário e vantajoso das crianças daquela idade com o computador na Europa [ao contrário de outros países em vias de desenvolvimento na Ásia ou em África] não passa pela propriedade de um computador na idade do brinquedo, mas sim pela possibilidade de as crianças jogarem jogos em consolas ou "pintarem" ou desenharem no computador das famílias ou da escola.»

Como prova do grande interesse da indústria por detrás deste programa (serão os contornos do negócio do e-escolinhas claros? Houve concurso público?) é o facto de o Magalhães ter sido posto hoje à venda tanto para crianças como para adultos, por 285 euros, a aproveitar a onda mediática e o deslumbramento tecnológico.

Nota ainda Pacheco Pereira que, «na maioria dos casos, o Magalhães pouca utilidade tem para os adultos, dadas as suas limitações e pelo preço do acesso à Internet.»

Faria muito mais sentido as pessoas comprarem os ultra-portáteis disponíveis no mercado, a partir de pouco mais de 200 euros (écran de 7") até 400 e pouco (écran de 10") do que sujeitarem-se ao Magalhães, com 8,9" de écran, «especialmente concebido para crianças», seja em termos de design seja ao nível das suas diversas limitações técnicas (exemplos: disco rígido de apenas 30 GB, uma câmara web incorporada de apenas 0,37 megapixel, não suporta o sistema operativo Windows Vista, o mais recente da Microsoft, embora com quase dois anos de idade, e pesa 1,4kg, quando há portáteis maiores, de 10" de écran, com esse peso).

Deixa-se enganar quem quer.

Recordar:
Programa e-escola, o outro lado
Programa e-escola, que proveitos?
Ilusão de Sócrates

As perguntas que devem ser feitas sobre o Magalhães [José Pacheco Pereira]
Em defesa do Magalhães [Manuel Carvalho]
A propósito do Magalhães [João Marcelino]

5 comentários:

  1. Caro Nélio,
    aproveito para expressar a minha posição:
    1) é verdade que o governo aproveita para se promover com o Magalhães. E daí, qual é o problema?
    3) é verdade que se cometeram exageros políticos ao tentar vender a ideia que o Magalhães é criação 100% tuga.
    4) as pessoas, uma vez mais, são hipócritas. O Magalhães criou empregos, está a ser vendido desde a unidade de produção portuguesa para outros países É verdade que o investimento é apoiado pelo governo, ma so governo existe para isso mesmo, para incentivar a economia. Sendo certo que o Magalhães não constitui qualquer mexida no sistema educativo, qual é o mal das crianças terem acesso a um PC com boas caracterísicas a preços muito mas mesmo muito baixos? Sim, qual é o problema? Finalmente, o Magalhães é um PC bonito, ainda hoje estive com ele e se tivesse de comprar um ultra portátil, pelo preço qualidade escolheria o Magalhães.
    Uma nota para acabar: quando saiu o e-escolas vi muita gente, incluindo professores criticarem a iniciativa. Eu gostei da iniciativa. Usou-se o argumento de que o PC no final de contas ficava por uns 1000€. Isto é falso, pois eu, que até nem comprei o pc e.escolas e comprei um por 900€ uma vez que a net do e-escolas não me satisfazia, vou acabar a pagar ao fim de 3 anos os 900€ + 25 € mensais de net. Mas as pessoas quando querem dizer mal por dizer até fazer contas se esquecem. Mais: muitos professores que viram no e-escolas a conpiração do século, passeiam os seus pcs e-escolas actualmente debaixo do braço. E são os mesmos que se queizaram anos a fio que as escolas não tem equipamento e que é uma tristeza, que em inglaterra eles tem um PC agarrado ao cú, etc. e tal... as mesmas pessoas que agora também dizem mal do Magalhães, em vez de se preocuparem com coisas sérias. E a hipócrisia tem um limite. Ou devia.

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  2. Se não há problema nenhum na propaganda do governo e tudo o mais, estamos conversados.

    Contudo, os argumentos que estão no post não foram rebatidos no comentário.

    Não basta chamar de hipócritas aos outros.

    Como é também enganoso ler qualquer crítica como anti-modernismo e anti-tecnologia. Ninguém está a pôr isso em causa.

    Eu, pessoalmente, gosto e uso muito as novas tecnologias.

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  3. Caro Nélio,
    Provavelmente expliquei-me mal.
    1) não referi que não existe qualquer problema na propaganda do governo. Existe algum governo que não a faça? Já pensou nos efeitos positivos que falar de educação quase todos os dias tráz? Não recordo de se falar tanto em educação como nos anos mais recentes. Daqui não se segue que o governo não tenha orquestrado uma campanha que induz em falsidades. Convido-o a ler um post que me cita onde defendo isso mesmo: http://dererummundi.blogspot.com/2008/09/parem-as-reformas.html#links
    2) Sim, acho que uma boa parte das pessoas tem tido atitudes hipócritas em relação a qualquer iniciativa governamental. Senão dão computadores são uns lesmas que não dão, se os dão ou incentivam a comprar, são lesmas porque nos querem caçar o voto. Esta atitude está plasmada não só na cultura das pessoas, como na obra de Eça de Queiroz. Acho que as pessoas são muito hipócritas nestas matérias.
    3) Também não referi que existe uma atitude anti tecnológica. O que existe é uma atitude anti tudo e as pessoas são capazes de fazer manifestações por causa de 1€ mensal.
    Finalmente: Não estive presente na manifestação dos 100 mil professores em Lisboa por uma razão, porque vivo na Madeira por razões pessoais tem sido dificil deslocar-me ao continente, muito menos a lisboa. Uma das contestações dos professores na rua foi a de que o ME não está fazer qualquer reforma educativa. E na verdade não está. Por essa razão, defendem os professores, a prerrogativa da "excelência da educação" é mera propaganda. Completamente de acordo. Agora convença-me o Nélio, também a mim que sou professor e estaria certamente naquela manifestação, bem como fiz todas as greves contra este governo, que estiverem 100 mil professores na rua por causa da "excelencia da educação"??? Convença-me lá disso Nélio!! Estiveram 100 mil na rua porque estão em causa questões muito sérias, mas são questões relacionadas com a profissão docente. De resto nunca vi nem professores nem sindicatos convocar uma greve para reformar programas ou curriculos, questão tão essencial à excelencia da educação.
    É verdade que estes comentários não são oportunos. Em face dos acontecimentos também eu não tenho qualquer razão para desejar a continuidade deste executivo e contribuirei de boa vontade para que saiam, mas não existe algo de hipócrisia nisto tudo? E existe uma grande falta de liberdade e responsabilidade.
    Espero ter clarificado uma ou outra questão, mas pessoalmente não vejo qualquer problema de maior com o Magalhães e acho uma exclente iniciativa, barata, economicamente viável e uma excelente ferramenta de trabalho para os miúdos.
    abraçoe obrigado

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  4. Viva.

    Não é ser anti-tudo criticar a faustosa e sistemática encenação mediática do governo - à custa dos nossos impostos -, a falsa ideia de que dar computadores é o caminho para a «boa educação» ou as limitações do computador Magalhães.

    Qualquer análise crítica destoante, como aquela que permitiu desnudar a suposta portugalidade do Magalhães, não tem impacto. Como bem diz Pacheco Pereira, «incomoda muito pouca gente no ambiente de aceitação acrítica da governação e do embevecimento tecnológico que o povo recordista dos telemóveis inevitavelmente tem.»

    Há outros caminhos, como neste blog já se defendeu, para fomentar o uso das novas tecnologias, sem ser através da "oferta" eleitoralista de computadores pelo governo.

    Quando os profesores se manifestam por questões socio-laborais estão também a defender melhores condições para o seu desempenho profissional, que se reflecte depois nas salas de aulas e reverte para os alunos.

    Se, por exemplo, sobrecarregam os docentes com tarefas acessórias e burocracias inúteis, menos tempo o professor tem para o trabalho pedagógico, o essencial para os alunos.

    Penso que a melhor manifestação pela excelência é no trabalho diário de cada docente. Depende sobretudo da atitude de cada um, mesmo com todos os sistemas de avaliação em prática.

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  5. Olá Nélio,
    "
    Há outros caminhos, como neste blog já se defendeu, para fomentar o uso das novas tecnologias, sem ser através da "oferta" eleitoralista de computadores pelo governo."

    De acordo. Precisamente por essa razão é que entro no debate. No meu blog tenho defendido:
    1) Reformulação dos programas;
    2) Reposição de exames nacionais
    3) publicação e tradução de obras de carácter introdutório que permitam colocar os professores a par dos progressos recentes do saber e conhecimento.
    Nenhuma destas medidas é:
    a) fomentada pelo Ministério da Educaçãop que reduz a nada disciplinas de carácter científico
    b) exigência dos professores demasiadamente dependentes do centralismo do ME
    Existem muitas formas de minimizar o poder dos professores. A mais subtil ( e o Nélio que é apreciador da ovelha Choné deve saber desta psicofoda) é a crescente desvalorização das disciplinas por parte do ME. Como? Olhe, um exemplo claro é a substituição de conteúdos por competências. Sou professor há 13 anos e não recordo muitos professores particularmente preocupados com esta questão. É certo que reclamam que há mais facilitismo, etc e tal, mas a verdade é que nunca se manifestaram publicamente, exceptuando casos isolados de grande sentido cívico e responsabilidade profissional. O Magalhães ao lado do subtil lixanço dos conteúdos nos programas é uma anedota. Só que a tecnologia tem mais impacto do que o saber e o conhecimento. Mas, repare, uma coisa não implica a outra, já que defendo que nada justifica a actuação deste ME, a não ser a pouca autonomia dos professores e o excessivo poder centralista do ME. Isto é que é ridiculo, mas é parte da nossa realidade de falta de tradição em liberdades civicas. Imagine lá que existe um ministério dos mecânicos constituído por advogados que decidem sobre o que os mecânicos vão e não fazer. É exactamente isso que me parece suceder com o ME, desde há muitas décadas. Ignoram as sociedades científicas, andam de costas voltadas e dirigem o sistema de cima. Os professores perderam há muito a autonomia. Mas o Nélio disse uma coisa que, pelo menos para mim e muitos colegas, é acertadissima: é no trabalho e esforço diário que podemos conquistar a nossa autonomia. Como? Com trabalho.
    Obrigado pela leitura dos comentários, abraço e bom trabalho

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