«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sexta-feira, novembro 21, 2008

Professores de luto e em luta 117: avaliação é precisa

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O professor e pensador António Nóvoa disse, em conferência, sobre a avaliação de professores:

«O terceiro desafio é difícil. Há um problema de credibilidade da profissão hoje em dia. Temos que olhar nos olhos esse problema de credibilidade, que está ligado a algumas coisas que já falei, mas também, a pelo menos três outras coisas que vou falar.

A primeira está ligada a avaliação e prestação de contas do trabalho profissional. É um tema que não gostamos de falar. Achamos que avaliar tem a ver com controle, com mecanismos e dispositivos de controle político, com agendas políticas diversas. E na verdade, muitas vezes tem. Mas o problema é que nas sociedades de hoje, seja em que patamar for, não se pode deixar de ter uma dinâmica de abertura das profissões, uma dinâmica de transparência, de rigor, de prestação de contas. E essa dinâmica de avaliação e prestação de contas é, em primeiro lugar, uma dinâmica de prestação de contas para nós mesmos e para os nossos colegas.

Muitas vezes os professores são capazes de conviver por anos com colegas em salas ao lado que sabem que são irresponsáveis, que são medíocres e incompetentes, que têm comportamentos éticos inaceitáveis com os alunos e nada se faz a respeito. Não há mecanismos na profissão para intervir. É preciso ter. Porque se não existirem mecanismos entre os próprios professores, certamente, virão de fora [nota: o PSD está a defender uma avaliação externa dos professores...]. E vão vir cada vez mais.

Eis um exemplo. Está em discussão em Portugal neste momento a avaliação dos professores pelos pais dos alunos. A avaliação do desempenho profissional dos professores. E o argumento para introdução dessa lei é que os professores não foram capazes de encontrar os mecanismos de regulação da profissão que permitisse, de fato, haver uma avaliação efectiva do trabalho. Não se pode ser complacente com isso. Como não são os outros profissionais. É claro que fazemos por um razão de sobrevivência. Fazemos porque só vamos encontrar chatices, trabalhos. Razões compreensíveis. Mas do ponto de vista da profissão e de sua credibilidade é absolutamente dramático.

E é dramática uma segunda coisa que também não gostamos de falar. É que os professores têm poucas lideranças profissionais. Têm lideranças sindicais, lideranças diversas, mas há pouca liderança profissional. Uma grande maioria dos melhores professores das escolas portuguesas vive escondida dentro das escolas. Isto é, sobrevivem por conta de uma espécie de apagamento, e de uma espécie de isolamento para não arranjarem problemas. Não só não são reconhecidos pelos outros professores, não são muitas vezes reconhecidos pelas estruturas institucionais, como não têm nenhum papel de liderança. Como por exemplo a integração de jovens professores, que tanto precisariam deles, da sua experiência, do bom senso, do seu saber. Como muitas vezes, para serem melhores professores e continuarem a fazer o que fazem têm quase que se esconder dentro das instituições.

A nossa credibilidade passa muito por qualquer coisa que os professores perderam há alguns anos que é a capacidade de intervenção política. Temos uma capacidade de intervenção pública em nível sindical, mas os professores falam pouco. Numa sociedade mediática, fortemente comunicativa, temos que aprender a falar mais, temos que ter uma voz pública mais forte e temos que aprender a comunicar melhor com o exterior. Na área das ciências, quais são as mais prestigiadas do mundo? São aquelas que nos últimos 30 ou 40 anos tiveram grande capacidade de comunicação com o público, de atracção com o público. As ciências do ambiente, as ligadas à astronomia, as ligadas ao cérebro. Vejam que parte significativa daqueles cientistas dedica parte de seu trabalho a comunicar com o exterior, a divulgar cientificamente suas descobertas. A intervir na TV, a produzir programas.

Os professores fazem isso muito mal. Fala-se muito de educação, mas em regra geral não são os professores que falam. A nossa voz hoje é muito ausente do debate educativo. E se quisermos criar uma melhor credibilidade profissional, temos que aprender a ter uma voz e uma intervenção pública mais forte, mais crítica, mais decisiva em função da educação. Creio que é essa voz que nos permite em parte ganhar esse espaço público da educação. Ganhar essa dimensão do apoio da sociedade ao trabalho da escola. É preciso ganhar a confiança da sociedade para o nosso trabalho, ganhar maior credibilidade pública. É preciso conquistar a sociedade para o nosso trabalho.

Temos que construir uma nova profissionalidade docente e que esteja também baseada numa forte pessoalidade. Na educação não é possível separar a dimensão da profissionalidade da dimensão de pessoalidade e isso implica em um compromisso pessoal, de valores, do ponto de vista da profissão. É nesse sentido que julgo que nós podemos e devemos caminhar no sentido de celebrar um novo contrato educativo com a sociedade, que passa também pela reformulação da profissão. Pois com certeza, não haverá sociedade do conhecimento sem escolas e sem professores. Não haverá futuro melhor, sem a presença forte dos professores e da nossa profissão.

Podem inventar tecnologias, serviços, programas, máquinas diversas, umas à distância outras menos, mas nada substitui um bom professor. Nada substitui o bom senso, a capacidade de incentivo e de motivação que só os bons professores conseguem despertar. Nada substitui o encontro humano, a importância do diálogo, a vontade de aprender que só os bons professores conseguem promover. É necessário que tenhamos professores reconhecidos e prestigiados; competentes, e que sejam apoiados no seu trabalho, o apoio da aldeia toda. Isto é, o apoio de toda a sociedade. São esses professores que fazem a diferença. É necessário que eles sejam pessoas de corpo inteiro, que sejam profissionais de corpo inteiro, capazes de se mobilizarem, de mobilizarem seus colegas e mobilizarem a sociedade, apesar de todas as dificuldades.

Conseguiremos? Certamente que sim. Conseguiremos ultrapassar essa fronteira da profissão. Na vossa presença, no vosso compromisso, sinto também esses desafios da profissão, esse compromisso com uma educação melhor, com uma escola melhor. Sabemos que os problemas actuais da escola e da profissão não nos autorizam a cultivar ilusões. Mas sabemos também que denunciar as ilusões não significa renunciar à esperança, à pedagogia da esperança de que nos falava Paulo Freire. É ela, em definitivo, que nos alimenta como pessoas e como educadores.»

Recorde-se:
É mentira que os professores estiveram 30 anos sem avaliação

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