«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, outubro 22, 2011

«Conservadorismo da Madeira profunda» - elementar, meu caro Watson

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«Teve [o PTP] cerca de sete por cento dos votos, mais do dobro do PND, o seu antigo partido proveta, superou o PCP e fez desaparecer de cena o Bloco. Ora, o Bloco é o herdeiro da UDP, a força mais activista nos primeiros tempos pós 25 de Abril: com a sua irresponsável retórica esquerdista assustou o conservadorismo entranhado da Madeira profunda e favoreceu a irresistível ascensão de Jardim. Nada do que agora aconteceu, com a fragmentação das oposições, foi fruto do acaso (até o partido dos Animais elegeu um deputado…).»

Estas declarações de Vicente Jorge Silva (semanário SOL 18.10.2011) após o acto eleitoral de 9 de Outubro, na Madeira, são muito realistas.

Daí não ter compreendido ainda as razões para a euforia oposicionista que se instalou relativamente às recentes Legislativas Regionais, como se o eleitorado conservador e cristalizado fosse mudar num estalo de dedos. Penso que falaram mais alto os desejos e as emoções do que a razão e o realismo. Não acredito que se desconheça o próprio eleitorado...

A dívida não tira votos. São as consequências dessa dívida pública que irão fazer a sua corrosão no partido mais votado na Madeira desde 1976, em sucessivas maiorias absolutas, tendo a última sido a menos expressiva com os seus 48,56%. Mas uma maioria absoluta na mesma.

O eleitorado madeirense deu provas, nestas eleições, que é sobretudo conservador, de direita. Desde logo aqui assinalámos esse dado ao dar conta da votação conjunta de social-democratas e centristas: 66,19%. E dificilmente saímos deste mapa ou genética político-ideológica madeirense.

Há quem tenha dificuldade em aceitar esta realidade sociopolítica e cultural e queira levar isto à força, num confronto generalizado, num tumulto radical, talvez novamente por via de uma «irresponsável» e irrealista «retórica esquerdista», como refere Vicente Jorge Silva a propósito dos anos 70, ou qualquer outra retórica, que os madeirenses já recusaram.

O povo é quem mais ordena, goste-se ou não se goste, coincida ou não coincida com as convicções de cada qual. Para quem não consegue aceitar a realidade (o que ordena o povo nas eleições) e não se contenta com pequenas mudanças a muito longo prazo, arrisca frustração e desilusão face às altas expectativas criadas.

Ou então muda de povo. Sobretudo quando este é encarado como ignorante e medroso ou então como rebanho (arrebanhável) do alto de um qualquer púlpito, incluindo o da superior intelectualidade.

Como por aqui já se disse, umas injecções de realidade e umas curas de humildade fazem bem. Tornam-nos mais sábios, democráticos e menos intelectualmente petulantes. Um bom antídoto face ao aburguesamento de muitos de nós, fruto de melhores condições de vida e acesso ao saber e à cultura.

Vou continuar a gostar do povo madeirense tal como é, sem me privar de criticar aquilo que considero ser menos positivo. Vote o povo como votar. Direita, centro, esquerda ou outra variante qualquer.

Apesar do desgaste de 35 anos de governação, da mudança de líder que um dia desses terá de ocorrer no actual partido que suporta o Governo Regional e do desgaste na governação nos anos que se seguem face à austeridade que irá cair violentamente sobre a Madeira e os madeirenses, o PSD poderá continuar a ganhar, com maioria relativa, mesmo que para isso tenha de se coligar com o CDS-PP.

Nas recentes legislativas, saiu reforçado o CDS-PP, o PTP e o PAN. A esquerda tradicional, PS, CDU e BE, caíram na votação. Mais do que isso, desde há 11 anos que o PSD mantém um núcleo ou base leitoral cristalizada na casa dos 70 mil votos.

Se a esquerda continuar a fragmentar-se, a dar tiros nos pés com as crónicas guerrinhas de paróquia - há quem não saiba viver de outro modo -, a perder credibilidade e a ser irrealista, não convencerá o eleitorado a abraçar outro projecto e outro caminho político para a Região. Continuará a não haver alternativa e alternância à esquerda, como deveria haver numa democracia, para não se cair num único pensamento, doutrina, visão e rotina de governação.

A Madeira não tem condições para empregar duas ou quatro dezenas de milhares de desempregados. A construção civil acabou. O turismo está como está. A Zona Franca e o offshore podem desaparecer. Os destinos da emigração não são os de antigamente. São dias de enorme dificuldade que estão à nossa frente, com uma dívida brutal em cima do lombo, que nos vai curvar ainda mais no tradicional baile pesado.

Há uma grande maioria que não está ainda ciente do grau das consequências que aí vêm. Por isso, acabo como comecei, com uma passagem do artigo de opinião já citado: «A Madeira mergulhou num poço tão fundo e tão negro que, para sair dele, terá literalmente de reinventar o seu destino.»

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