«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quarta-feira, outubro 12, 2011

E os burros são os madeirenses?

Não se ganha o povo chamando-o de burro nem dando-lhe sermões do pedestal da intelectualidade (fotografia: Funchal em 1937)
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Toda a gente contava com nova maioria absoluta, as sondagens confirmavam-na, mas, mesmo assim, foram muitos aqueles que, subestimando a realidade e o eleitorado madeirense, para nem falar da máquina laranja e de Alberto João Jardim, mesmo depois de um ataque cardíaco, deixaram-se levar numa certa euforia e esperança de retirar a maioria absoluta ao partido social-democrata.

Compreendo a decepção e a frustração, inclusive a zanga, mas o povo é quem mais ordena, goste-se ou não se goste, coincida ou não coincida com as convicções de cada qual. À excepção do CDS-PP, PTP e PAN, todos os outros partidos foram castigados pelo eleitorado e perderam votos. Atente-se àquilo que os madeirenses recusaram nas urnas.

É claro que alguns chamam o povo soberano de burro, ignorante, míope, telecomandado, entre outros adjectivos, mas quem se recusar a ver, do alto da intelectualidade, a realidade passada e presente e as características do eleitorado madeirense, nunca conseguirá a adesão alargada a um projecto político. Podem-se arranjar as justificações que se quiserem.

E algumas dessas justificações são factos, como a pouca massa crítica (atinge todos os sectores), sociedade civil pouco activa ou a pequenez da ilha que permite conhecer todos e confundirem-se planos e esferas da vida pessoal e pública. A questão do medo, essa, tem dois gumes.

Para além disso, a alternância acontecerá quando Alberto João Jardim não der a cara pelo partido e se fizerem sentir as consequências das medidas de austeridade que aí vêm. E daqui não se sai. Relativamente ao que nos ultrapassa, aplique-se a aceitação judaico-cristã. E lute-se pelo que se pode alterar com argúcia e eficácia.

Há duas gerações de políticos que tiveram o azar histórico de terem vivido no tempo dominado por aquele líder carismático, com todas as virtudes e defeitos que se apontam e que bem conhecemos. Mesmo a minha geração, que cresceu e amadureceu com esta governação em mais de 30 anos, começa a ficar velha para pegar nisto. E conte-se com mais quatro anos. Estará a minha geração nos 50 anos... uns velhotes :)

«Jardim ganha porque oprime, gritam os adversários. Jardim ganha porque torna possível, responde o povo», terá dito ou escrito um jornalista da TVI 24 (Filipe Mendonça?). Dizia mais: «A gratidão esquece a opressão, seja lá o que isso for para gente que há 35 anos vivia na segunda região mais pobre do país». Quem sempre teve água, luz, estradas e outras comodidades das zonas urbanas e litorais não compreende essa gratidão.

A Madeira foi colocada no mapa, com muita reivindicação (estilos à parte), por quem continua a repetir «o meu partido é a Madeira.» Por isso, muitos dos ataques exagerados e manipulados de uma boa parte da comunicação social continental sobre a Região e os madeirenses criaram as condições para o clássico «nós contra eles». Tenho a convicção que a maioria absoluta, à tangente, se deveu a esse facto. E parte do eleitorado viu no actual presidente do Governo o interlocutor para se bater nas negociações com a República e a troika.

É claro que nada desculpa a gestão que nos levou a uma dívida brutal e comprometerá o futuro por muitos anos. A partir do ano 2000, perdeu-se as rédeas da despesa pública e optou-se por expedientes para ultrapassar os limites do endividamento colocados pelo Estado, numa euforia de obras. Nos dois anos que precederam as eleições de 2004, a Madeira era um estaleiro. Mas a dívida não tira muitos votos. As consequências da dívida fá-lo-ão, sim, no futuro próximo.

Não vejo o povo como rebanho porque não o vejo de um qualquer pedestal. E chamem-me à atenção se um dia cair nessa tentação. Eu sou do povo, com todos os seus defeitos, limitações e virtudes. É uma ligação de sangue numa terra bela, insular e agreste como a Madeira.

No passado, quando precisei da adesão de mais população a algumas causas cívico-ambientais em que andei envolvido, precisamente por causa de obras no litoral perfeitamente supérfluas ou, no mínimo, sobredimensionadas e caras para manter, caí na tentação de recriminar o povo, mas não era justo nem sensato fazê-lo. É preciso fazer o balanço e admitir os erros.

Umas injecções de realidade e umas curas de humildade fazem bem. Tornam-nos mais sábios, democráticos e menos intelectualmente petulantes. Um bom antídoto face ao aburguesamento de muitos de nós, fruto de melhores condições de vida e acesso ao saber e à cultura.

Os madeirenses não quiseram mudar a página em 9 de Outubro de 2011 - estava nas suas mãos fazê-lo. Meteram na Assembleia Legislativa da Madeira oito dos nove partidos concorrentes às eleições, penalizando uns (incluindo o PSD, embora desse para a maioria absoluta - será prémio governar sob a troika e a República e o descontentamento social que aí vem?) e premiando outros.

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