«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, julho 16, 2007

ALM acentua dificuldades à participação autónoma dos cidadãos

Ao restringir-se a possibilidade de participação democrática e autónoma do cidadão, deve-se ter achado que ele, à semelhança da oposição, tinha direitos a mais. Não se quis reforçar, antes optou-se por enfraquecer, o direito de petição, um direito fundamental dos cidadãos face ao poder político.

Não foram só os partidos da oposição que viram o seu espaço de manobra e intervenção reduzidos na casa da democracia da Região. O distanciamento relativamente aos cidadãos é também feito de forma directa, ao desvalorizar-se a petição e ao torná-la ainda mais inacessível. A petição deve ter sido entendida como mais um "porreirismo" e toca a aumentar o grau de dificuldade.

Se os cidadãos madeirenses já viam a sua participação autónoma, na vida pública e nos assuntos que lhes dizem directamente respeito, através da figura da petição, com mais restrições em comparação com as opções da Assembleia da República (AR), com o novo regimento parlamentar regional tudo ficou mais difícil.

Aumentou em 400% o número de assinaturas para uma petição ser apreciada em plenário e/ou publicada: de 500 passou para 2.000. Não se entende o agravamento. O cidadão madeirense chega a ter de fazer um esforço de 4.000% (quatro mil por cento) a mais do que o cidadão de Portugal continental, no número de assinaturas a recolher, face ao universo da população, como adiante damos conta.


NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Sobre o exercício do direito de petição, consultar a legislação na página electrónica da Assembleia da República.

Quanto ao número de assinaturas numa petição, a Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, alterada pela Lei nº 6/93, de 1 de Março e pela Lei nº 15/2003, de 4 de Junho diz o seguinte:

«A audição dos peticionantes [pela Comissão parlamentar respectiva] é obrigatória sempre que a petição seja subscrita por mais de 2000 cidadãos» (Artigo 17º)
«As petições são apreciadas em Plenário [da AR] sempre que se verifique uma das condições seguintes: a) Sejam subscritas por mais de 4000 cidadãos». (Artigo 20º)
«São publicadas na íntegra no Diário da Assembleia da República as petições: a) Assinadas por um mínimo de 2000 cidadãos» (Artigo 21º)


NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA MADEIRA: regimento anterior (2005)

Enquanto na AR, a audição dos peticionantes está dependente de um dado número de assinaturas, no parlamento regional, segundo o regimento anterior (e o novo), a audição dos peticionantes não está garantida de um modo objectivo. Os subscritores da petição, independentemente do número, serão ouvidos «se a comissão competente da Assembleia Legislativa o achar conveniente ou necessário» (Artigo 209º da Resolução da Assembleia Legislativa nº 19-A/2005/M de 25 de Novembro, alteração do Regimento da RAM, página 113).

Na parlamento nacional, a «audição dos peticionantes [pela Comissão parlamentar respectiva] é obrigatória sempre que a petição seja subscrita por mais de 2000 cidadãos» (Artigo 17º). Não tem nada a ver com o «achar conveniente ou necessário.» É simplesmente obrigatório, satisfeito o requisito, que é claro e objectivo.

A lei regional anterior dizia ainda que as «petições poderão ser apreciadas em reunião plenária quando subscritas por mais de quinhentos [500] cidadãos, e tal seja justificado pela Comissão» (Artigo 213º). Bem como «são publicadas na íntegra as petições: a) Assinadas por mais de 500 cidadãos» (Artigo 215º).

500 assinaturas em cerca de 245 mil habitantes na Madeira já era muitíssimo mais, em proporção, do que 2.000 em quase 10 milhões de habitantes em Portugal continental. Mas, o pior estava para vir.


NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA MADEIRA: novo regimento (propostas 2007)

No novo regimento, aprovado em 5 de Julho corrente, apenas com votos do partido maioritário, a proposta do PSD agravou as condições de participação autónoma do cidadão:

Em lugar das 500 assinaturas, já desproporcional face à nosssa população, com referência ao exigido pelo parlamento nacional, para que as petições sejam apreciadas em reunião plenária e ou publicadas, passou-se a exigir mais de 2.000 assinaturas. Repare-se que nem é um número redondo. Tem de ser mais de 2.000. Tem de ultrapassar o número.

Ora, com a barreira de 2.000 assinaturas, percebe-se que as petições não são convenientes nem necessárias... Para determinadas coisas, como a extracção de inertes do fundo marinho, quer-se acabar com obstáculos burocráticos como o concurso público previsto na lei nacional. No caso do direito do cidadão à petição aumentam-se os obstáculos burocráticos.

Veja-se então a proposta social-democrata para o regimento do recém empossado parlamento regional: «As petições poderão ser apreciadas em reunião plenária quando subscritas por mais de dois mil cidadãos, devidamente identificados os seus subscritores, e tal seja justificado pela Comissão» (Artigo 213º); «Assinadas por mais de 2000 cidadãos» (Artigo 215º).

O PS e o PCP não propuseram alterações a este nível. O CDS/PP propôs deixar tudo na mesma, isto é, como no regimento anterior. Só o BE propôs alterações mais favoráveis à concretização da petição: em vez do prazo de «sessenta dias» (Artigo 212º) quis “trinta dias”; em lugar de “quinhentos cidadãos” propôs “trezentos cidadãos” (Artigos 213º e 215º).


CONCLUSÕES

Daqui se conclui que o partido maioritário e o parlamento regional não são "citizen friendly". Dá a impressão que a participação do cidadão só interessa no dia das eleições, através da colocação do voto na urna. O resto do tempo é para estar calado e inactivo. Não só não se estimula a participação activa e autónoma dos cidadãos, como se acrescem dificuldades a essa autonomia cidadã.

Nisto, como noutras matérias, o regimento da AR já não foi imitado. A proporcionalidade entre população e número de assinaturas da petição já não interessa.

Se a Madeira é um meio mais restrito ou exíguo para recrutamento de quadros para o parlamento regional e para o governo, um dos argumentos do PSD-M que justificaram a contestação e a não aplicação do regime de incompatibilidades da AR no parlamento madeirense, o mesmo meio é também mais restrito para um cidadão recolher assinaturas para uma petição.

Um cidadão madeirense para o parlamento regional vale menos que um cidadão nacional para a Assembleia da República, tendo em conta a população da ilha e a população continental. Assim também se desvaloriza o regime autonómico.

Para as petições serem publicadas, exige-se o mesmo número, 2.000 assinaturas, que a AR. Para serem apreciadas em plenário, exige-se 2.000 face às 4.000 do parlamento nacional, o que é altamente desproporcional.

Em cerca de 245 mil habitantes, 2.000 assinaturas é 0,8% (quase 1%) dessa população. Em 10 milhões de habitantes em Portugal continental, 2.000 assinaturas é 0,02% e 4.000 é 0,04% da população. Ou seja, é uma diferença abismal no esforço que o cidadão tem de fazer para recolher as assinaturas:

Um esforço de 4.000% (quatro mil por cento) e 2.000% (dois mil por cento) de subscrições a mais para o cidadão «das ilhas, mais belas e livres», face às 2.000 ou 4.000 assinaturas exigidas pelo parlamento nacional, para publicação e apreciação em plenário, respectivamente, face ao universo da população. Sem esquecer, como acima já se disse, que a audição dos peticionantes, independentemente do número, na Madeira só acontece «se a comissão competente da Assembleia Legislativa o achar conveniente ou necessário».

Para ser proporcional ao meio e à população, na Madeira deveriam ser exigidas cerca de 50 assinaturas em vez das 2.000 que o novo regimento da ALM passou a exigir.

Para nem contar com o facto de a página electrónica da AR dedicar uma secção às petições, com instruções muito claras para facilitar a participação dos cidadãos. A página electrónica da ALM é menos explícita e menos "user friendly". A petição não merece referência nem destaque na página de abertura e o item "Direito de petição e direito de acção popular" dá conta apenas do pequeno texto contido na Constituição da República.

Tudo isto merece já um petição.

Como disse Emanuel Rodrigues (Diário 8.11.2006), presidente do Parlamento da Região, em 1976, "era necessário, e ainda continua a ser, uma verdadeira revolução cultural", [...]observando, já na actualidade, que "a tolerância e o respeito pelas minorias são valores de alguma maneira espezinhados".» O cidadão está menorizado.

A revolução cultural, pelos vistos, está adiada. Não faz parte do novo ciclo de desenvolvimento. O que é trágico, sabendo-se que, como disse ontem, na RTP2, Guilherme d'Oliveira Martins, a «economia valoriza-se com a cultura. O que destingue, verdadeiramente, o valor acrescentado tem a ver com a dimensão cultural.»

photo copyright nds

4 comentários:

  1. http://pensamdaeira.blog.spot.com

    Ainda bem que há quem traga este assunto para o conhecimento público.

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  2. A informação é essencial numa democracia, para o cidadão conhecer a realidade e poder ajuízar e optar com conhecimento dos assuntos.

    Pelos vistos, com as evidentes limitações de meios e tempo, o cidadão tem de investigar por si mesmo para estar informado sobre assuntos que deveria ser do conhecimento (elementar) de todos os cidadãos, informados pelas instituições que têm essa função e que ganham dinheiro para o fazer.

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  3. Boa noite
    Descobri o Vosso Blog através de um colega.
    Peço, caso seja possível que divulguem o Blog da Casa do Povo de são roque do Faial, num lik do Vosso blog.

    O Blog da Casa do Povo é http://cp-saoroquedofaial.blogspot.com

    O principal objectivo deste nosso espaço é divulgar as nossas actividades.

    Agradeço a Vossa colaboração.

    O presidente da Casa do Povo

    Heliodoro Dória

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  4. Ao Nelio,

    Indiferentemente da opinião pessoal de cada um, julgo que no inquerito que elaborou, falta pelo menos uma opção, as restantes vão todas pelo mesmo caminho e acho que é por essa razão um inquerito tendencioso.

    Deveria constar a seguinte pergunta:

    Deve o Governo da República financiar na sua totalidade tal como faz no continente os abortos na Madeira, de forma a poder viabilizar a que esta pratica possa ser feita em estabelecimento de saúde da RAM e deve o Governo Regional adaptar a Lei a Região?

    Se esta opção lá estivesse votaria nela!

    Cumprimentos

    Roberto Rodrigues
    Cortar (d)a Direita

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