Neste caso da interrupção voluntária da gravidez (IVG), a Autonomia resulta numa desvantagem, numa discriminação, numa exclusão das mulheres madeirenses face às mulheres do resto do país.
É uma forma de tentar boicotar o resultado do país no referendo nacional. Nem o facto do Sim ter duplicado, na Madeira, a votação relativamente a 1998 serve de indicador político. A quanto obriga o conservadorismo insular, rural, católico e a guerra com a República.
Depois do «nem um tostão para Timor» eis outro exemplo de solidariedade, neste caso para com as mulheres madeirenses, através do nem um «centavo para a interrupção voluntária da gravidez.»
«Não será do erário público da Madeira que irá sair um centavo para a promoção da interrupção voluntária da gravidez», disse hoje o secretário regional dos Assuntos Sociais, confrontado como o facto do Ministro da Saúde ter dito que as mulheres madeirenses poderiam, à luz da cooperação existente entre as Regiões Autónomas e o Estado, fazer a IVG no Continente e ser custeado pela Madeira, como o são outros actos de saúde.
Os argumentos do responsável regional do sector são dois, um político e outro jurídico. Vejamos como não têm pernas para andar:
No que toca ao aspecto jurídico, o facto de a Região ter pedido a fiscalização sucessiva sobre a constitucionalidade da lei não suspende a lei, que entra amanhã em vigor. Portanto, esse argumento cai por terra e a legalidade tem de ser cumprida.
Quanto ao argumento político, o referendo sobre a IVG foi vinculativo para todo o território nacional e não apenas para Portugal continental. Não é a maioria global no referendo que deve ser respeitada, como é normal em democracia? O povo português não é soberano? Outros distritos, embora sem terem o estatudo de autonomia, em que o Não venceu podem agora invocar esse mesmo argumento político para impedir que, nessa parte do território, não se cumpra a lei da IVG?
A Madeira autónoma não ficou de fora. Por isso, o facto do Não ter sido maioritário na Madeira não significa que o resultado global do país não vincule esta ilha. Pode ser um consolo político pensar o oposto, mas não tem força de lei e não anula o Sim ocorrido. O referendo não foi exclusivo para esta Região ou para qualquer outra.
Nessa ordem de ideias, deve-se também incluir na equação do argumento político o facto do Sim ter duplicado, na Madeira, a votação face ao primeiro referendo de 1998. Essa leitura, essa mudança, já não convém?
A Madeira vai auto-descriminar-se e excluir-se? Vai impedir o acesso das mulheres a actos de saúde que permite e manda a lei? Vai discriminar as mulheres que não têm meios financeiros para as clínicas privadas e a deslocação ao sistema de saúde nacional? A Madeira vão continuar na senda do aborto clandestino, no século XXI? Irá ser um caso à parte no país e na Europa?
Dá a impressão que não passa tudo de um pretesto para desenterrar o machado de guerra e abrir novas frentes no contencioso com a República. Diz-se que se quer amenizar as relações com Lisboa mas os actos contradizem as palavras.
Assim, nesta questão, a Madeira barrica-se no seu conservadorismo (sublinha-se o perfil sociológico e cultural do eleitorado madeirense: insular, rural, católico e conservador) deixando uma determinada imagem perante o país.
Além de mostrar mau perder e não acatamento do resultado democrático do referendo nacional e da lei subsequente, que vincula, sublinhe-se, os portugueses da Madeira tal como todos os outros portugueses. Ou somos portugueses apenas nas matérias que convém?
Recorde-se:
Calheta, o mais conservador
Ruído pós-referendo
Tempo de mudança
Hipocrisias
Românticos ou realistas conforme dá jeito
Abortar «porque apeteceu»... a consideração de Marcelo Rebelo de Sousa pelas mulheres
Imagem: JM
De acordo com essa ordem de ideias uma freguesia, na Madeira, em que o sim tenha ganho tem toda a legitimidade política para exegir que aos seus eleitores seja possível fazer uma IVG na RAM. O Governo Regional pensa sempre ser a unidade política/administrativa mais pequena na Madeira quando em relação com o continente. Esquece-se que existem outras que lhe são inferiores e que poderiam brandir os mesmos argumentos políticos. Não ousam fazê-lo porque dependem do AJJ. O centralismo que o GR vê no Terreiro do Paço as autarquias também poderiam ver na Quinta Vigia!
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