Perante o agudizar de determinados problemas no ensino, é preciso cruzar leituras, sem cegueiras ou complexos ideológicos, com abertura e sentido crítico. Reflectir sem constrangimentos ideológicos e participar no debate. Esse debate deve ter por referência a realidade, que nos permita encontrar as melhores respostas a cada momento e contexto, e não deve continuar a ser inquinado pela ideologia.
Deixamos aqui uma trilogia, que tem a sua pertinência, quer se goste quer não, embora a razão não esteja apenas de um só lado. O importante é o referido debate, o agitar das águas e perceber como podemos melhorar os resultados escolares e preparar os portugueses para a vida activa, incluindo o exercício (consciente) da cidadania.
Os Filhos de Rousseau (Relógio d’Água, 1997) > Maria Filomena Mónica
Eduquês em Discurso Directo (2006) > Nuno Crato
A Lógica dos Burros (Publicações Europa-América, 2007) > Gabriel Mithá Ribeiro
Estes livros têm em comum serem acérrimos críticos da chamada pedagogia romântica (utópica, idealista, desligada da realidade e do contexto da sua época) e do lóbi das ciências da educação & associados. Maria Filomena Mónica, por exemplo, referiu que tinha por objectivo «contrariar as veleidades totalitárias dos pedagogos», «por pensar [ela] que aprender exige esforço».
Uma coisa é certa: se não forem moderados e cruzados com a realidade, determinados ideais utópicos, que pululam a educação portuguesa, condicionados à partida pela ideologia, podem conduzir ao desastre. É preciso denunciar problemas como a indisciplina endémica nas salas de aula, sem medo de ser-se acusado de reaccionário, autoritário ou outra coisa qualquer.
Faz-me impressão essa ideia (pouco humilde e irrealista) de que o professor empunhando orgulhosamente a pedagogia poderia mudar o mundo a partir da sala de aula e dispensar o esforço e o trabalho do estudante. Mentira. Por vezes, acontecem milagres, mas é a excepção e não a regra, quando um conjunto de circunstâncias se conjugam para além do docente.
Nunca devemos desistir de fazer melhor e ter algumas utopias como farol para a nossa caminhada mas, entretanto, temos de viver o dia-a-dia nas circunstâncias deste mundo. É com elas que temos de lidar.
A escola pública ao permitir (pactuar, tolerar, ignorar) a falta de condições de trabalho para alunos e docentes está a conduzir aqueles para o insucesso escolar (e até abandono) e estes para a permamente insatisfação profissional. Essa é a maior e mais grave discriminação e selectividade social que a escola pública faz. Ao não dar aos alunos as ferramentas para a vida. Cria inadaptados. Cria analfabetos funcionais. Gera marginalização social.
A Esquerda gosta de justificar o insucesso e abandono escolar apenas a montante: nas causas socio-económicas e culturais. As crianças e jovens não têm responsabilidade no seu insucesso escolar e a justificação está no contexto, é-lhes exterior. Detém-se no factor social e identifica-o como a causa dos resultados escolares e educativos. O papel do indivíduo, a sua vontade pessoal, é menosprezada.
A Direita detém-se mais nos factores da disciplina e do trabalho. Na acção do próprio indivíduo. Nos factores intrínsecos ao indivíduo. Relativiza os factores externos, como o contexto socio-cultural, no sucesso escolar e educativo da pessoa.
A verdade está sempre algures no meio...
A disciplina e o trabalho individuais são dois factores nucleares para o sucesso escolar. São as condições base do trabalho numa escola, seja do aluno, seja dos professores. Seja escola pública ou privada. O contexto socio-cultural do indivíduo não deve ser usado como álibi para relativizar esses factores. A criança resiste à disciplina e ao trabalho. Porque custa. Mas, os adultos, têm de fazer o seu papel e preparar as crianças para a realidade da vida (educar a vontade).
O caminho do facilitismo não é opção porque o mundo não é assim. Quem chega em desvantagem à escola deve usufruir de apoios (sociais e pedagógicos) para amortecer os condicionamentos socioculturais de origem e ter incentivos para aprender e evoluir, mas nunca serem brindados com pseudo-inclusões ou com facilitismos (para pobre pouco lhe basta) como a ideia de que se aprende sem trabalho.
Como escreveu António Nóvoa, «o pior que podemos fazer às crianças, sobretudo às crianças dos meios mais pobres, é deixá-las sem uma verdadeira aprendizagem.»
Desidério Murcho diz que o «filho de um professor universitário ou de um médico tenha uma educação miserável na escola é muito pouco importante porque a tem em casa; mas para o filho do pedreiro, é muito grave: se não a tem na escola, não a tem em lado nenhum.»
Medina Carreira faz o mesmo alerta: «o problema é este: aqueles que precisavam de ser objecto de exigência e da aprendizagem, que são aqueles das classes mais baixas, eles vão ficar tão preparados que serão de classes mais baixas amanhã. Os seus filhos vão ser de uma classe média, como a minha filha é. É que nós estamos a manter esta estratificação, exactamente não ensinando àqueles aos quais precisaríamos de exigir... Porque aqueles que estão em baixo é que precisam ser trazidos para cima. Não é dizer: Coitadinhos, não aprendam nada, vocês não têm culpa de nada, são uns desgraçadinhos, agora continuem... Não, não! Esses é que têm que ser puxados, não são as suas filhas ou a minha.»
Maria Filomena Mónica, catedrática que criticou severamente o ensino do Estado Novo e sempre se assumiu como esquerdista (liberal), diz bem que, «sob a capa da retórica igualitarista, aniquilam a única oportunidade que os filhos dos pobres têm de sair do buraco onde nasceram.»
O professor orienta, apoia, cria as condições e oportunidades para que o processo de aprendizagem seja o melhor possível, mas não é o professor que tem de trabalhar em vez de quem aprende.
Todavia, hoje, é como se o aluno estivesse dispensado do trabalho, esforço, predisposição para a aprendizagem e disciplina pessoal.
A escola, a pedagogia e o docente nunca substituirão a necessidade de disciplina por parte de quem aprende, para que possa aprender mais e melhor. O trabalho intelectual exige rigor e disciplina.
Recorde-se:
Alunos do Leste europeu arrasam postura desculpabilizante
Laxismo e facilitismo estudantil significam exclusão social
Complexos de esquerda = facilitismo
Laxismo pós 25 de Abril trama Educação
Escola ideal é diferente da escola real
Recomendo, neste caso, a leitura de "Ideologia e Currículo" de Michael Apple. Não esquecendo a visão de fascismo=elitismo e capitalismo=selecção. Liliana
ResponderEliminarP.S. Seria interessante saber o porquê desta necessidade de descredibilizar as CE.Provavelmente porque assim se dedicam às didácticas... na Gulbenkian, num passado recente, ofereceram as receitas pedagógicas prontas a usar. Talvez por isso somos agora os melhores em Matemática.
Obrigado pela pela sugestão.
ResponderEliminarO único livro que li (original em língua inglesa) do Michael Apple é o "Teaching the 'Right' Way", que estaria a ser traduzido para português por Almerindo Janela Afonso, já há algum tempo.
Podem haver objectivos ideológicos no denegrir das Ciências da Educação, mas estas não são uma vaca sagrada. A par dos contributos válidos, têm contribuindo para esta onda de laxismo e facilitismo estudantil, que não está a incluir ninguém, mas antes a excluir devido à falta de trabalho e disciplina, a base para a aquisição de competências e saberes.
Estou farto de receitas pedagógicas. Já tentei muitas abordagens e vai tudo dar, coisa menos coisa, ao mesmo. Os contextos são duros e o professor não pode mudar o mundo a partir da sala de aula.
Parece que se queria fazer os meninos aprenderem sem trabalho nem disciplina.
Romantismos e irrealismos balofos afiliados de Rousseau, como se o ser humano estivesse naturalmente predisposto para o trabalho e o esforço. Como se a civilização, o civismo e a disciplina fossem más e estragassem o "bom selvagem", esse ser ideal e perfeito. A civilização torna o ser humano mais tragável e suportável.
Criar o Estudante Novo é uma utopia sem futuro porque é preciso contar com a natureza humana. O Comunismo também quis criar o Homem Novo e provocou as tragédias que se conhecem.
Como escreveu Álvaros de Campos, também «estou farto de semi-deuses» pretensiosos.
Abraço.
O selvagem não pediu para ser civilizado. Não há estudante novo, não há bom selvagem (são visões contraditórias), nem as teorias pedagógicas devem oferecer receitas. Isso seria contradizer o seu propósito e das próprias CE. Mas a elas cabe fazer investigação sobre o "estado da educação" e formar para um paradigma que não seja, pelo menos, o fabril. Penso que as teorias críticas (e pós-críticas) podem ser ferramentas de reflexão mas que não garantem absolutamente nada. Se é verdade que se caiu no laxismo estudantil, não menos verdade será que isso foi permitido pelos professores. Não pelas CE. Em Portugal é uma área muito jovem que entrou pelas mãos dos visionários do comportamentalismo e do marxismo. Mas há outro tipo de CE. Outro tipo de visões. De modo algum as revejo como uma vaca sagrada.Ainda menos como inúteis. Mas também não as entendo como foice e martelo.
ResponderEliminarSó assim se compreende que existam professores que resistem e compreendem que a educação não existe sem rigor, esforço e trabalho. E isso é compreender o acto educativo como um acto ético. É, em última análise, perceber que o trabalho educativo é um trabalho de Penépole. A colcha nunca está pronta.
Já agora: FOUCAULT, M. "Vigiar e Punir".
(e ambos sabemos que F. Pessoa via-se como um semi-deus). Liliana
Viva.
ResponderEliminarVai sempre tudo cair em cima do professor: «Se é verdade que se caiu no laxismo estudantil, não menos verdade será que isso foi permitido pelos professores.»
O genial Fernando Pessoa até teria razões para se considerar um "semi-deus", mas não os comuns dos mortais.
É lamentável o discurso, assente num mito, de que a disciplina na escola e na sala de aula está apenas dependente do professor, sobretudo quando é deixado sozinho - sem autoridade, sem base para a acção disciplinar, num ambiente de impunidade. «Os professores são deixados sozinhos e sem meios sobre a indisciplina crescente» diz Daniel Sampaio (revista Pública 4.1.2009).
E surge uma outra ideia cómoda, mas igualmente utópica, de que a pedagogia e o professor podem, por milagre, fazer aprender quem não trabalha, não estuda, não valoriza o saber.
É triste constatar que, enquanto noutras culturas europeias (para nem falar nas culturas orientais ou da Europa de Leste), ser um aluno preguiçoso, indisciplinado e de insucesso é uma vergonha, no nosso meio é aceitável e até popular. É triste que o conhecer e o saber seja tão desvalorizados.
É pena que o rigor, a disciplina e o esforço pessoais continuem a ser conotados com valores fascistas pelos complexos ideológicos do pós-25 de Abril de 1974, mas se dê tanto espaço à ditadura da indisciplina.
É pena ainda que se discipline mais os docentes e funcionários do que os alunos-REI, deixados num limbo de irresponsabilidade e impunidade, caminho aberto para as mais diversas pulsões narcisistas e exibicionistas.
É lamentável que se ignore a realidade como esta proferida por Medina Carreira: «com gente indisciplinada, pode (até) levar para lá um professor catedrático. O professor catedrático não ensina nada porque eles não deixam ensinar.» (SIC 3 de Julho de 2008)
Ou que se entenda o laxismo e a postura desculpabilizante na educação juvenil como inclusivos:
http://olhodefogo.blogspot.com/2009/02/elementos-sobre-o-estado-da-escola_21.html
Abraço.
Então estamos ambos de acordo. Excepto que Fernando Pessoa é uma espécie de semi-deus.
ResponderEliminarE jamais seria tão naif em crer que "Vai sempre tudo cair em cima do professor: «Se é verdade que se caiu no laxismo estudantil, não menos verdade será que isso foi permitido pelos professores.»". Não leia à letra. Há sentidos no sentido.
Considero que alguns professores deveriam repensar não tanto as práticas pedagógicas mas o tipo de sociedade que querem construir. Muitos professores dentro e fora da RAM já me disseram e cito: "Não chumbo para não me chatear". Não deve achar que todos os professores fazem a reflexão que o próprio Nélio faz (pelo menos no blog). O professor é o último da lista antecedendo-lhe o aluno. Mas há responsabilidades, também, do professor em todo este processo. No entanto, a grande discussão passa pelas (más) políticas educativas, pela degradação da família enquanto núcleo educador, pela formação de professores, pelas próprias opções profissionais, pela aulas de recreio (nomeadamente as aulas de substituição), pelo ECD, pela avaliação de desempenho, pelo não reconhecimento social da tarefa de educador,por tantos factores e variáveis que como deve calcular seria impossível discutirmos neste espaço.
Acredito que não basta querer ensinar. É necessário que os alunos queiram aprender. Não havendo este desejo não há disciplina. Mas não se esqueça que em muitos países da Europa de Leste essa disciplina era conseguida à custa do medo (tal como antes do 25 de Abril em Portugal). E neste sentido o conhecimento não era uma disponibilidade mas uma obrigação.
Encontrar o equilíbrio é algo que Portugal está longe de conseguir. Insisto que isso tem a ver com políticas educativas desastrosas e é preciso que os professores digam "Não". Tem que ser os professores porque a sociedade, em geral, "está se marimbando". A escola recusou a paideia porque nem sabe o que isso é. Pergunte a qualquer director de escola.
Um abraço,
Liliana
Estou globalmente de acordo.
ResponderEliminarTodavia, a disciplina e a educação da vontade continua a ser conotada, em Portugal, com o fascismo e a ditadura. São complexos ideológicos (de esquerda) que ainda mantemos.
Até o estrado na sala de aula, que permitia o professor projectar melhor a voz e os alunos verem todo o quadro (e não apenas metade dele como agora) foi considerado opressor e fascista, uma verdadeira ameaça à liberdade...
O medo (saudável) é algo que faz parte da vida. Se eu, como a maioria dos trabalhadores, não receasse perder o emprego, provavelmente haveria dias em que apeteceria ficar na cama ou ir fazer outra coisa qualquer.
Se eu não recear a doença, não terei determinados cuidados preventivos.
É a natureza humana. Se não tivermos nada a perder, tornamo-nos dolentes e acomodados. Nisso o capitalismo tem razão.
Por cá caímos no extremo, na dita bandalheira, que é pior do que o exagero na disciplina.
Se for para exagerar, mais vale exagerar na disciplina, que prepara melhor as pessoas para as dificuldades e para a realidade, do que no laxismo destruidor de vidas (exclusão pura e dura).
Saudações.