«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, fevereiro 14, 2009

Elementos sobre o Estado da Escola Pública 23: Leste europeu arrasa postura desculpabilizante

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Deixemo-nos de brincadeiras e aprendamos alguma coisa com as lições que vêm do Leste europeu, em termos educativos, enquanto é tempo. Políticos, decisores, professores, pais e estudantes. A ver se a bandalheira termina.

Ciclicamente, umas nações crescem e evoluem e outras entram em decadência. Hoje assistimos ao enfraquecimento do Ocidente. Aconteceu com grandes civilizações e com poderosos impérios. Pena não conseguirmos actuar em tempo útil sobre os factores que conduzem ao declínio das nações, nomeadamente a nossa nação portuguesa, que já foi império...

PARTE 1: TESE

«1. A teoria eduquesa do coitadinho é o húmus de onde brota toda a irresponsabilidade. Baseia-se na seguinte ideia: privatização dos benefícios e socialização dos prejuízos. O Estatuto do Aluno é um exemplo da monstruosidade da teoria do coitadinho. A culpa é sempre da sociedade.

2. A vinda de alunos do Leste para Portugal desmentiu a teoria do coitadinho. Regra geral, os alunos do Leste são mais pobres do que os portugueses pobres e - milagre! - são melhores alunos do que os portugueses melhores.

3. A que se deve um tal "milagre"? Trabalho, respeito e responsabilidade. Exactamente o que falta aos pais de muitos alunos portugueses, ricos, remediados e pobres. Andam com o rei na barriga e perderam o respeito aos professores. Alguém lhes disse, erradamente, que o triunfo era possível sem esforço e sem trabalho árduo.

4. O ME foi criando normativos e dando orientações que agravaram a percepção errada de muitos pais portugueses sobre o direito ao sucesso. Essas orientações e práticas levaram muitos pais portugueses a concluir, erradamente, que é possível aprender sem esforço e respeito pelos professores.

5. Os alunos do Leste não serão mais inteligentes do que os portugueses. São apenas mais respeitadores e trabalhadores. E os pais são mais responsáveis.» [LER NA ORIGEM]

PARTE 2: REPORTAGEM CONFIRMA TESE
Recordo a conclusão de uma notícia da Grande Reportagem (01.01.2005) sobre os bons resultados dos alunos de países do Leste europeu, nas escolas portuguesas, que dá conta de alguns aspectos entre os tais múltiplos factores em jogo:

«Afinal, não há nenhum problema com o tão vilipendiado sistema de ensino em Portugal, já que é possívelBold obter níveis de aproveitamento escolar bastante exigentes; problema sim parece existir com os jovens portugueses, que em média apresentam nas mesmas disciplinas resultados muito abaixo dos seus colegas do lado de lá da Europa, apesar de todos os problemas de ambientação, de instabilidade, de precariedade económica e de níveis de bem-estar que este últimos e as suas famílias, naturalmente, atravessam.

Concluímos assim que a grande deficiência da educação em Portugal não se situa afinal ao nível dos padrões e dos métodos de ensino, mas é sim de natureza social. Por alguma razão que falta descortinar, os jovens portugueses [e pior ainda os jovens madeirenses] não encontram no seu ambiente natural (familiar, social, etc.) nem os mecanismos de treino e amadurecimento do raciocínio nem os estímulos que os levem a aplicar-se disciplinadamente nos estudos, ao contrário do que acontece com os alunos originários do Leste.»

É preciso virem jovens do Leste europeu para se valorizar os nossos professores... e dizer que, afinal, os métodos de ensino podem ter a ver menos do que se pensa com o insucesso escolar.

E deixo outra nota: por que razão os estudantes da Madeira têm menor qualidade (piores resultados académicos e menor desenvolvimento social/de cidadania) do que os alunos ao nível do país, como traduzem os resultados? Tanto investimento e nada? Será apenas por causa dos professores, certamente... que não sabem ou se esquecem do que têm a fazer...

PARTE 3: MAIS TESTEMUNHOS NA PRIMEIRA PESSOA

«Fui, esta tarde, à reprografia da escola e encontrei uma funcionária nova. Perguntei: "É brasileira?" Ela respondeu: "sou moldava". "E onde é que aprendeu a falar tão bem o português?" Ela: "Eu? Sozinha!" "Tem filhos?" "Dois. Estão na escola". "Gosta da escola portuguesa?", perguntei. "Muito diferente da Moldávia. Em Portugal não há respeito pelos professores e a escola ensina pouco. Nada exigente", respondeu. "Por que razão os alunos do Leste têm tão bons resultados?", perguntei. "Muito trabalho em casa. Duas horas por dia de estudo. É pena aqui os professores não passarem trabalhos para casa. Alunos portugueses não respeitam os professores. Os nossos respeitam. Damos valor à escola", acrescentou.»

«Há uns dias falei com um jovem que veio da Moldávia há 4 meses. Aprendeu a falar português, quase correctamente, sozinho. Disse-me que os professores em Portugal são muito melhores - um professor na Moldávia dá as suas aulas e não explica se um aluno tiver dúvidas. A colega que estava perto de si, tb moldava, confirmou-me tudo.»

«Todos os alunos e pais de Leste dizem o mesmo: somos professores dedicados, atenciosos, mas os alunos e pais portugueses não nos valorizam nem respeitam. E ainda não tive aluno do Leste que não fosse dos melhores, em todos os aspectos: em termos académicos, no trato, em termos de valores humanos

(MAIS AQUI)


PARTE 4: RECUSAR A POSTURA DESCULPABILIZANTE (POLITICAMENTE CORRECTA E GENERALIZADA), SEM MEDO

Os obstáculos de partida não podem ser usados como álibi para a ausência de esforço ou empenho dos jovens no trabalho escolar de aprendizagem. Bem pelo contrário - paninhos quentes e o atirar das culpas todas à sociedade (sempre injusta...) não resolvem nada - a escola deve reforçar esse empenho por parte do estudante ao mesmo tempo que proporciona condições e oportunidades para vencer as lacunas com origem no seu meio socio-cultura. Aos que chegam à escola em desvantagem precisam de mais trabalho do que os outros, para poderem evoluir e não acabarem no abandono e exclusão.

Onde fica o espaço da acção e auto-determinação dos indivíduos? Do seu papel na condução do seu próprio destino?

Não se desresponsabilize o indivíduo, que não é um mero joguete do destino e do contexto socio-cultural, sem acção ou vontade próprias. Para citar José Augusto Fernandes, brilhante educador que já esteve na minha escola duas vezes, nós somos 100% o nosso património genético, 100% a educação que tivemos, mas somos, sobretudo, o que fazemos com essas duas componentes.

Recuso justificar a inacção e a irresponsabilidade individuais, transferindo as culpas apenas ou basicamente para a esfera social. Estou ciente do peso das circunstâncias, mas estou cansado da cantiga do costume de culpar a sociedade por tudo o que de mal acontece aos indivíduos. O facto de ter tido em casa um pai alcoólico, com todos os problemas que daí brotam, nunca foi álibi para não trabalhar na escola e ou gerar indisciplina para obstaculizar o bom decorrer das aulas, a aprendizagem dos meus colegas ou andar a infernizar a vida dos professores.

O indivíduo tem uma palavra a dizer e um papel a desempenhar no superar desses obsctáculos. Com a ajuda que existir à sua volta, seja na escola ou fora dela.

A escola pública tem de dizer basta e recusar ser votada ao babysitting e ao entretenimento, à indisciplina e ao pouco trabalho, alienada da realidade, que satisfaz cidadãos irresponsáveis, sem consciência do peso do conhecimento e da consequente impreparação do país para os desafios da economia global, quer se goste ou não do rumo dessa economia.

Como me disse ontem o meu amigo Kris, professor americano na Madeira, «these people will be run over by a train of reality». Não diria melhor. Venha a injecção de realidade quanto antes, que está mais perto do que longe decorrente da actual grave crise financeira, económica e, a breve trecho, social.

Recorde-se, a propósito:
Complexos de esquerda = facilistismo
Laxismo pós 25 de Abril trama Educação

Elementos sobre o estado da Escola Pública 22: valores do Trabalho e da Responsabilidade moribundos na escola
Elementos sobre o estado da Escola Pública 1: condições de trabalho
Elementos sobre o estado da Escola Pública 10: educação infantil em Portugal (Eduardo Lourenço)

Ou ainda:
Insucesso escolar vem de longe 3
Insucesso escolar vem de longe 2
Insucesso escolar vem de longe 1
Menor qualidade e fraca atitude dos estudantes madeirenses (não são só os filhos de emigrantes portugueses noutros países...)

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