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sábado, novembro 11, 2006

Madeira & República XVIII: mais pareceres sobre a LFRA

Pelo que tudo indica, nem tão pouco o Tribunal Constitucional poderá valer às pretensões da Madeira. Como fazer valer, então, a posição da RAM?

Dificilmente, pelos elementos abaixo expostos, a LFRA será travada pelo Tribunal Constitucional. Ainda por cima com a jurisprudência de um caso açoriano. Mas, será que tudo se resume a uma questão de legalidade e inscontitucionalidade? A LFRA pode ser legal e constitucional e, mesmo assim, ser injusta para a Madeira e atingir a sua Autonomia, temos de reconhecer (ver post seguinte: Madeira & República XIX: rescaldo do "Pearl Harbor" de Sócrates a Jardim). O entendimento político do presidente da República será então decisivo relativamente à Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

Como fazer valer, então, a posição da Madeira? É nessa estratégia política que é preciso investir, que não pode passar por ameaças de separatismo ou outros excessos. É preciso desmontar os argumentos com factos e números, na linha do que fez o presidente do Governo Regional na Grande Entrevista, e provar, perante a opinião pública portuguesa, a alegada injusta penalização da Madeira e da sua Autonomia. O que não é fácil pelos argumentos que fomos dando ao adversário e pelos anticorpos que certa actuação política regional gerou ao longo dos anos. A reacção madeirense corre o risco de ser vista como mais uma das reacções excessivas habituais... Provar que há um ataque político ao Executivo regional será ainda bem mais difícil pela subjectividade da questão, embora o discurso de Sócrates da útima segunda-feira tenha sido esclarecedor.

Marcelo Rebelo de Sousa já tinha colocado em causa cinco artigos da Lei de Finanças Regionais. Como deu conta o Diário de Notícias da Madeira (10.10.2006), o «"exame" do professor detecta risco de violação estatutária [do Estatuto Político-Administrativo da Madeira], duas violações parciais [proibição de o Estado ser avalista nos empréstimos das regiões autónomas e de assumir as respectivas dívidas] e mais duas inconstitucionalidades [por não estar explícito, nas questões de natureza tributária, que ao Governo da República não cabe substituir-se ou sobrepor-se ao exercício de competência de órgão de governo próprio regional e por obrigar o processo de criação de impostos, apenas vigentes nas ilhas, a passar por um parecer prévio do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras]».

Antes, Diário de Notícias da Madeira (7.10.2006) dera conta que "Paz Ferreira ["pai" da Lei de Finanças Regionais] considera haver «evidentes desconformidades» entre o que está no Estatuto [Político Administrativo da Madeira] e aquilo que quer o Governo de Sócrates", na nova Lei das Finanças Regionais. O Diário refere ainda que, «de acordo com o princípio [da solidariedade Estado-Regiões Autónomas], na versão estatutária, trazida à baila por Paz Ferreira, o Estado fica vinculado a suportar os custos das desigualdades derivadas da insularidade, designadamente no que se refere a transportes, comunicações, energia, educação, cultura, saúde e segurança social.» «Coerentemente com a Constituição de 1976 e os Estatutos Político-Administrativos, a independência financeira das regiões autónomas constitui um dos aspectos mais importantes da autonomia política da Madeira e dos Açores». Independência baseada nas transferências do Estado, para que as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira disponham dos «meios» «para a concretização da autonomia consagrada na Constituição e nos Estatutos Político-Administrativos».

Os pareceres de Paz de Ferreira e Marcelo Rebelo de Sousa foram solicitados pelo Governo Regional da Madeira. Hoje o Diário dá conta dos pareceres pedidos pelo Executivo central a dois reputados constitucionalistas: Jorge Miranda e Gomes Canotilho. E dão razão ao Governo da República.

A conclusão é de que, como refere o Diário (11.11.2006), «em matéria de relacionamento financeiro entre o Estado e as ilhas, com a Constituição a apontar para um diploma específico, a LFRA leva a melhor sobre o Estatuto Político-Administrativo da Madeira.» Gomes Canotilho refere: "A LFRA é uma lei reforçada especial e tem prevalência sobre as leis estatutárias no campo específico das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas". Jorge Miranda conclui: "Quando um Estatuto contenha normas sobre outras matérias que não as atinentes às atribuições e aos órgãos e aos titulares dos órgãos regionais, estas normas não adquirem a força jurídica específica das normas estatutárias".

Estas conclusões de fundo anularão as alegadas violações do Estatuto Político-Administrativo da Madeira pela LFRA, nomeadamente a «norma do Estatuto que impede transferências orçamentais inferiores ao montante do ano anterior». No entender de Gomes Canotilho tal norma da lei regional "quebra o princípio da solidariedade, impondo apenas aos contribuintes do continente os sacrifícios resultantes das medidas orçamentais e financeiras de conteúdo rigorista". "Em termos jurídico-constitucionais será mesmo de questionar se não se tratará de uma 'norma intrusa' enxertada abusivamente nos Estatutos das regiões autónomas".

Por seu lado, Jorge Miranda também não deixa dúvidas: "Cometendo a uma lei específica o tratamento da matéria das finanças regionais - ou, por exemplo, o das eleições dos deputados às Assembleias Legislativas - a Constituição veda aos estatutos integrá-lo no seu corpo normativo". "Qualquer preceito de Estatuto de qualquer das regiões autónomas que disponha sobre o objecto próprio da Lei de Finanças Regionais deve reputar-se inconstitucional". A notícia do Diário faz ainda referência a uma situação análoga colocada pelo parlamento dos Açores, tendo então, como recorda Jorge Miranda, o Tribunal Constitucional considerado legal e constitucional face à reclamação de violação do Estatuto açoriano.

-Madeira & República: limar arestas
-Madeira & República X: "árbitros" existem para intervir, se necessário
-Madeira & República IX: independência financeira e as autonomias

1 comentário:

  1. Se o Estado tivesse que garantir a autonomia da Madeira quem é que garantiria a do Estado? E porque não as autarquias exegirem ao governo regional autonomia financeira? A quem posso exegir a minha autonomia financeira?!

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