Aquando do "Madeira Big Wave Team Challenge", em 2000, que a Câmara da Calheta quer agora repetir, o Surf era considerado importante para a economia da Madeira pelos políticos locais - presidente Manuel Baeta à direita na imagem - e regionais, importância traduzida em apoios para competições, porque havia o retorno na promoção. [Photo copyright (c) Shawn Alladio]
A Câmara da Calheta, segundo disse ontem à tarde o seu presidente Manuel Baeta, vai candidatar-se para realizar um campeonato mundial de surf no Jardim do Mar. Uma forma de dar resposta a quem, alegadamente, anda a dizer mal da Madeira e provar que aquela freguesia, na Ponta Jardim, continua a ter as mesmas condições para o surf: «garante que as condições para a prática da modalidade são as mesmas que existiam antes da construção da promenade no Jardim do Mar», refere o Diário hoje.
Por seu lado, «Alberto João Jardim apoia a candidatura, frisando que a Madeira «continua» a ter excelentes condições para a prática do surf.» Este é um facto reconhecido. Em geral, a Madeira continua a ter excelentes condições. Note-se que o presidente do Governo fala em sentido lato e não se refere aos casos da Ponta Jardim, da Ponta Delgada e do Lugar de Baixo, casos tratados no filme Lost Jewel of the Atlantic.
Se há uma mudança de atitude, é salutar. Mesmo que não se reconheça, frontalmente, aos olhos da opinião pública, que há um recuo, uma mudança de opinião - mais valia reconhecer, por exemplo, que não se estava ao corrente do tesouro que era a onda da Ponta Jardim, do valor da sua riqueza natural, em vez de insistir-se, perante as evidências, que a onda é a mesma e continua a ter as tais condições únicas.
Mas há que recordar que, de repente, em 2001, quando foi preciso fazer obras na costa, os surfistas passaram de profetas a demónios comunistas. Até o mural na imagem acima apresentada, considerado um ex-libris do Jardim do Mar, pintado por um surfista e muito fotografado por turistas, foi já tapado apesar do seu valor simbólico. Nem pintadas se queriam as ondas. Espera-se que perdure a mudança de pensamento e não cesse logo que seja preciso fazer mais umas obras na costa.
Porquê o reacender do interesse em 2006?
1º Trata-se de um regresso dos apoios oficiais às competições de surf, em especial na Calheta. Ainda bem. Significa que se volta a reconhecer o potencial económico, desportivo e de promoção da Madeira por via do surf. Saúda-se esta renovada aposta e clarividência. Não seria de espantar que as autoridades concelhias, mesmo discordando do tamanho da construção no Jardim do Mar e dos danos ao surf, tivessem sido "obrigadas" a acatar a decisão do Governo.
2º Espera-se que a motivação seja mais desportiva e económica do que apenas política: provar que existem, alegadamente, as mesmas condições para surfar na Ponta Jardim - «o autarca diz que esta é a resposta do executivo camarário aos críticos que dizem que o Jardim do Mar já não tem ondas». O que nunca esteve em causa, porque nunca se disse tal coisa. As condições únicas existentes na onda da Ponta da Jardim foram comprometidas, isso sim. Contudo, a onda existe, não se sabe, contudo, se é sensato fazer lá uma competição de nível mundial. Provavelmente, na Ponta Pequena, já no Paul do Mar. A ver vamos o que diz a federação internacional.
3º A referida notícia do Diário refere que Jardim do Mar e Paul do Mar querem organizar a competição. O que deixa entender que a competição pode não ter lugar na Ponta Jardim, no Jardim do Mar, onde foi construído o paredão, mas sim na Ponta Pequena, já em território do Paul do Mar, onde não houve construção. Neste cenário, ganharia o Paul do Mar e perderia o Jardim do Mar. Além disso, a Ponta Pequena, no Paul do Mar, não tem as mesmas condições para atrair público para assistir à competição. Em 2000 teve lugar na Ponta Jardim, que encheu de gente.
4º Embora não tenha efeitos retroactivos, no sentido de salvar algumas ondas e locais de surf, será positivo se, no futuro, se deixar de comprometer e se perservarem as condições naturais excepcionais que temos para a prática do surf. Assim seria feito o bom aproveitamento desse «recurso/produto mais significativo» «associado ao mar» chamado surf. Continuar a destruir essas condições será contra o que diz o Plano de Desenvolvimento da Madeira para 2007-2013.
5º A verdade é que a estratégia seguida no passado recente, em que foram algumas ondas destruídas ou comprometidas nas suas condições excepcionais, contradiz a estratégia agora adoptada de novo pela Câmara da Calheta e pelo Governo Regional através do Plano de Desenvolvimento da Madeira para 2007-2013. A nova opção é correcta e tem diversas vantagens. Se séria, autêntica e consequente (coerente).
6º Prova a consciência da importância do surf como um pequeno segmento de turismo, sobretudo para algumas localidades como o Jardim do Mar.
7º É uma contradição com os actos do passado recente, em que se correram com os surfistas da freguesia quando estes procuraram, em 9 de Novembro de 2002, debater com a população alternativas menos radicais para a muralha de protecção. Mas ainda bem que as opiniões evoluem, embora o mal esteja feito.
8º É outra contradição acolher de novo «drogados», «comunistas», «pés-descalço», «sabotadores», entre outras designações, que receberam os surfistas quando se opuseram ao tamanho exagerado do paredão/promenade do Jardim do Mar. Relembre aqui.
9º É irónico, mas que se saúda, sem esquecer, que aqueles que impuseram uma obra que comprometeu as condições únicas da onda grande da Ponta Jardim, em prejuízo dos surfistas e do Jardim do Mar, queiram agora organizar uma competição de surf.
10º Esperemos que se encontrem os surfistas de nível internacional dispostos a surfar com certas condicionantes: maior perigosidade, espaço de tempo útil para surfar (maré-baixa) mais curto, paisagem artificializada (não apetecível para as câmaras...), entre outros. Oxalá seja possível.
11º Esperemos que, na ânsia (política) de provar que a onda da Ponta Jardim continua igual, a autarquia não assuma uma posição fragilizada nas negociações com a federação internacional de surf, nomeadamente com hipotéticas implicações/agravamentos no orçamento de apoio a essa competição.
12º Tenta-se, no fundo, emendar o erro que foi cometido, face às evidências e às repercussões locais e internacionais. Face ao impacto económico e turístico - a Calheta não é um concelho rico e o surf pode ter um impacto económico interessante e ajudar a dinamizar a economia. É positivo corrigir-se o rumo, mas não deixa de ser paradoxal. Faz-se votos que não seja um oportunismo ou um interesse passageiro.
13º O melhor apoio e promoção que se podem dar ao Surf é tão só não continuar a destruir o que a natureza deu sem custos à Madeira: uma costa com bons espaços de mar para o treino e prática dos surfistas.
14º Seria bom que a Câmara da Calheta, entre outras autarquias, se pronunciasse sobre a destruição dos bons espaços de mar para o treino e prática dos surfistas, que são precisos para se poderem realizar as competições de surf.
15º Pena a autarquia não ter agido na altura em que se comprometiam as condições únicas da onda da Ponta Jardim, para realizar-se competições de âmbito mundial, que agora se tentam reabilitar. Não se defende o surf só a organizar ou promover competições. Defende-se, sobretudo, não destruindo as condições para a sua prática. Com a vantagem de proteger a paisagem autêntica, o ambiente e o turismo da Madeira.
16º Seria bom aproveitar a ocasião para anunciar esforços no sentido de recuperar as condições únicas da onda da Ponta Jardim. Diz-se que é possível, embora implique gastos. Essa seria uma boa notícia. Melhor ainda que o reconhecimento das potencialidades várias deste desporto, por parte das entidades regionais, que se saúda, note-se. Estamos e sempre estivemos abertos à colaboração e cooperação, no interesse de todos.
NDS
Madeira program director da Save the Waves Coalition
(Desde 22.09.2006)
Ler ainda a propósito:
- Surf faz parte do Plano de Desenvolvimento 2007-2013 da Madeira
- El Salvador aposta no surf para reanimar economia
- Indústria do Surf com significativo impacto económico em Portugal
- Interessa? Não interessa? Decidam-se II
- Interessa? Não interessa? Os privados já decidiram III
- Interessa? Não interessa? Outro exemplo como sim IV
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