«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, setembro 23, 2006

62. Câmara da Calheta quer surf de volta I: campeonato mundial na Ponta Jardim

Aquando do "Madeira Big Wave Team Challenge", em 2000, que a Câmara da Calheta quer agora repetir, o Surf era considerado importante para a economia da Madeira pelos políticos locais - presidente Manuel Baeta à direita na imagem - e regionais, importância traduzida em apoios para competições, porque havia o retorno na promoção. [Photo copyright (c) Shawn Alladio]

A Câmara da Calheta, segundo disse ontem à tarde o seu presidente Manuel Baeta, vai candidatar-se para realizar um campeonato mundial de surf no Jardim do Mar. Uma forma de dar resposta a quem, alegadamente, anda a dizer mal da Madeira e provar que aquela freguesia, na Ponta Jardim, continua a ter as mesmas condições para o surf: «garante que as condições para a prática da modalidade são as mesmas que existiam antes da construção da promenade no Jardim do Mar», refere o Diário hoje.

Por seu lado, «Alberto João Jardim apoia a candidatura, frisando que a Madeira «continua» a ter excelentes condições para a prática do surf.» Este é um facto reconhecido. Em geral, a Madeira continua a ter excelentes condições. Note-se que o presidente do Governo fala em sentido lato e não se refere aos casos da Ponta Jardim, da Ponta Delgada e do Lugar de Baixo, casos tratados no filme Lost Jewel of the Atlantic.

Se há uma mudança de atitude, é salutar. Mesmo que não se reconheça, frontalmente, aos olhos da opinião pública, que há um recuo, uma mudança de opinião - mais valia reconhecer, por exemplo, que não se estava ao corrente do tesouro que era a onda da Ponta Jardim, do valor da sua riqueza natural, em vez de insistir-se, perante as evidências, que a onda é a mesma e continua a ter as tais condições únicas.

Mas há que recordar que, de repente, em 2001, quando foi preciso fazer obras na costa, os surfistas passaram de profetas a demónios comunistas. Até o mural na imagem acima apresentada, considerado um ex-libris do Jardim do Mar, pintado por um surfista e muito fotografado por turistas, foi já tapado apesar do seu valor simbólico. Nem pintadas se queriam as ondas. Espera-se que perdure a mudança de pensamento e não cesse logo que seja preciso fazer mais umas obras na costa.

Porquê o reacender do interesse em 2006?

1º Trata-se de um regresso dos apoios oficiais às competições de surf, em especial na Calheta. Ainda bem. Significa que se volta a reconhecer o potencial económico, desportivo e de promoção da Madeira por via do surf. Saúda-se esta renovada aposta e clarividência. Não seria de espantar que as autoridades concelhias, mesmo discordando do tamanho da construção no Jardim do Mar e dos danos ao surf, tivessem sido "obrigadas" a acatar a decisão do Governo.

2º Espera-se que a motivação seja mais desportiva e económica do que apenas política: provar que existem, alegadamente, as mesmas condições para surfar na Ponta Jardim - «o autarca diz que esta é a resposta do executivo camarário aos críticos que dizem que o Jardim do Mar já não tem ondas». O que nunca esteve em causa, porque nunca se disse tal coisa. As condições únicas existentes na onda da Ponta da Jardim foram comprometidas, isso sim. Contudo, a onda existe, não se sabe, contudo, se é sensato fazer lá uma competição de nível mundial. Provavelmente, na Ponta Pequena, já no Paul do Mar. A ver vamos o que diz a federação internacional.

3º A referida notícia do Diário refere que Jardim do Mar e Paul do Mar querem organizar a competição. O que deixa entender que a competição pode não ter lugar na Ponta Jardim, no Jardim do Mar, onde foi construído o paredão, mas sim na Ponta Pequena, já em território do Paul do Mar, onde não houve construção. Neste cenário, ganharia o Paul do Mar e perderia o Jardim do Mar. Além disso, a Ponta Pequena, no Paul do Mar, não tem as mesmas condições para atrair público para assistir à competição. Em 2000 teve lugar na Ponta Jardim, que encheu de gente.

4º Embora não tenha efeitos retroactivos, no sentido de salvar algumas ondas e locais de surf, será positivo se, no futuro, se deixar de comprometer e se perservarem as condições naturais excepcionais que temos para a prática do surf. Assim seria feito o bom aproveitamento desse «recurso/produto mais significativo» «associado ao mar» chamado surf. Continuar a destruir essas condições será contra o que diz o Plano de Desenvolvimento da Madeira para 2007-2013.

5º A verdade é que a estratégia seguida no passado recente, em que foram algumas ondas destruídas ou comprometidas nas suas condições excepcionais, contradiz a estratégia agora adoptada de novo pela Câmara da Calheta e pelo Governo Regional através do Plano de Desenvolvimento da Madeira para 2007-2013. A nova opção é correcta e tem diversas vantagens. Se séria, autêntica e consequente (coerente).

6º Prova a consciência da importância do surf como um pequeno segmento de turismo, sobretudo para algumas localidades como o Jardim do Mar.

7º É uma contradição com os actos do passado recente, em que se correram com os surfistas da freguesia quando estes procuraram, em 9 de Novembro de 2002, debater com a população alternativas menos radicais para a muralha de protecção. Mas ainda bem que as opiniões evoluem, embora o mal esteja feito.

8º É outra contradição acolher de novo «drogados», «comunistas», «pés-descalço», «sabotadores», entre outras designações, que receberam os surfistas quando se opuseram ao tamanho exagerado do paredão/promenade do Jardim do Mar. Relembre aqui.

9º É irónico, mas que se saúda, sem esquecer, que aqueles que impuseram uma obra que comprometeu as condições únicas da onda grande da Ponta Jardim, em prejuízo dos surfistas e do Jardim do Mar, queiram agora organizar uma competição de surf.

10º Esperemos que se encontrem os surfistas de nível internacional dispostos a surfar com certas condicionantes: maior perigosidade, espaço de tempo útil para surfar (maré-baixa) mais curto, paisagem artificializada (não apetecível para as câmaras...), entre outros. Oxalá seja possível.

11º Esperemos que, na ânsia (política) de provar que a onda da Ponta Jardim continua igual, a autarquia não assuma uma posição fragilizada nas negociações com a federação internacional de surf, nomeadamente com hipotéticas implicações/agravamentos no orçamento de apoio a essa competição.

12º Tenta-se, no fundo, emendar o erro que foi cometido, face às evidências e às repercussões locais e internacionais. Face ao impacto económico e turístico - a Calheta não é um concelho rico e o surf pode ter um impacto económico interessante e ajudar a dinamizar a economia. É positivo corrigir-se o rumo, mas não deixa de ser paradoxal. Faz-se votos que não seja um oportunismo ou um interesse passageiro.

13º O melhor apoio e promoção que se podem dar ao Surf é tão só não continuar a destruir o que a natureza deu sem custos à Madeira: uma costa com bons espaços de mar para o treino e prática dos surfistas.

14º Seria bom que a Câmara da Calheta, entre outras autarquias, se pronunciasse sobre a destruição dos bons espaços de mar para o treino e prática dos surfistas, que são precisos para se poderem realizar as competições de surf.

15º Pena a autarquia não ter agido na altura em que se comprometiam as condições únicas da onda da Ponta Jardim, para realizar-se competições de âmbito mundial, que agora se tentam reabilitar. Não se defende o surf só a organizar ou promover competições. Defende-se, sobretudo, não destruindo as condições para a sua prática. Com a vantagem de proteger a paisagem autêntica, o ambiente e o turismo da Madeira.

16º Seria bom aproveitar a ocasião para anunciar esforços no sentido de recuperar as condições únicas da onda da Ponta Jardim. Diz-se que é possível, embora implique gastos. Essa seria uma boa notícia. Melhor ainda que o reconhecimento das potencialidades várias deste desporto, por parte das entidades regionais, que se saúda, note-se. Estamos e sempre estivemos abertos à colaboração e cooperação, no interesse de todos.

NDS
Madeira program director da Save the Waves Coalition
(Desde 22.09.2006)


Ler ainda a propósito:
- Surf faz parte do Plano de Desenvolvimento 2007-2013 da Madeira
- El Salvador aposta no surf para reanimar economia
- Indústria do Surf com significativo impacto económico em Portugal
- Interessa? Não interessa? Decidam-se II
- Interessa? Não interessa? Os privados já decidiram III
- Interessa? Não interessa? Outro exemplo como sim IV

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