«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Carta de intenções reveladora, presidente não assume erros

Presidente do GR e secretário regional do Plano e das Finanças anunciam as principais medidas de austeridade,, na tarde de 27 de Dezembro

Clareza e revelação estonteantes para uma carta de intenções, firmada em encontro entre o presidente do Governo Regional e o ministro das Finanças, no passado dia 23 à noite. Muito foi dito, assumiram-se as dificuldades mas faltou o essencial: assumir os erros políticos com toda a frontalidade, no sentido em que nem tudo o que se fez foi bom.

Na verdade, não há muito para negociar, como reconheceu o presidente do Governo Regional, ao referir as presentes condições em que se encontram a República e a Região. O arquipélago teve de estender a mão à assistência financeira face à situação de «necessidade». De urgente necessidade, já que a Madeira parece precisar de 80 milhões de euros até final da semana para ter liquidez.

É o «acordo possível», que alegadamente evita o enterro da Autonomia, nem que seja por uma unha negra. Sem este acordo «seria pior», mas melhor mesmo seria não haver necessidade de tal acordo...

O esforço e a penalização dos madeirenses são brutais e duríssimos:

Aumento do IRS e IRC para níveis nacionais, imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) agravado em 15% (em lugar das portagens) e subida da taxa máxima de IVA em mais de um terço - equivalente a trinta e sete e meio por cento - (passa de 16% para 22%) ou aumentos dos transportes públicos em 15% são medidas concretas anunciadas esta tarde, do lado da receita.

Mas o esforço maior, segundo o anunciado, logo veremos se assim se concretiza, é do lado da despesa. O limite do investimento público fixa-se em 150 milhões e avança a redução dos custos operacionais da administração (incluindo saúde e educação com menos 15%) e empresas públicas.

Não se esqueça ainda que a condição de insularidade já penaliza a economia regional (duplamente). Mesmo que a austeridade seja igual à nacional, será sempre pior na Madeira. Passos Coelho fez essa observação com essa consciência, não porque a austeridade seria a dobrar. Porque isso seria simplesmente insustentável.

Mais medida, menos medida, o cenário está traçado, embora estejamos no início das dificuldades a sério. Vamos então a dois conjuntos de ILAÇÕES:

UM: DE OPORTUNO A INOPORTUNO
Tinha sido oportuno, com a mesma frontalidade e capacidade de encaixe que o presidente do Governo Regional já teve em outras ocasiões, ter-se admitido e reconhecido os erros na conferência de hoje, para comunicação da carta de intenções ou linhas mestras para o resgate financeiro.

Todos cometemos erros. Nem tudo o que o Governo Regional fez foi bom. Seria importante falar verdade, com transparência e frontalidade, reconhecendo as políticas erradas que conduziram a Região a uma situação financeira insustentável e a uma crise que será particularmente profunda e prolongada neste território insular.

A partir do ano 2000 insistiu-se num modelo de desenvolvimento com base no endividamento e construção civil que vieram trazer mais encargos para o futuro do que mais valias, fruto de megalomanias. Nem todas as obras foram oportunas: exemplo 1 (pavilhão), exemplo 2 (promenade gigante Jardim do Mar), exemplo 3 (enroncamentos), exemplo 4 (marina), exemplo 5 (estádios).

Por isso, tem muito que se diga o argumento que se fez obras para combater os governos socialistas no Continente ou aproveitar oportunidades de financiamento. Será que não houve esbanjamento em tempo oportuno?

E o financiamento ao futebol? É porventura normal e sustentável a Madeira ter dois clubes na Primeira Liga? Para nem falar nas restantes modalidades profissionais altamente onerosas e além da nossa dimensão económica. Se foi para tirar os jovens da droga e da criminalidade então falhou essa política. O argumento da promoção da Madeira no exterior também é fraco. Existem formas muito mais eficazes de promoção turística.

Construiram-se estádios, pavilhões, marinas, entre outras obras "oportunas", mas o novo hospital ficou pelo caminho...

Enfim, opções que também se tomaram no restante território nacional, não é uma invenção ou originalidade na Madeira, mas os erros dos outros não justificam os nossos.

DOIS: QUANTO PIOR, (NÃO É) MELHOR
Dito isto, bem como o que foi sendo dito ao longo dos últimos anos neste blogue de crítica relativamente a algumas opções, é preciso referir que nada resolve a estratégia do castigo (ajuste de contas) a Alberto João Jardim sacrificando pelo caminho todos os madeirenses.

O "quanto pior, melhor" pode satisfazer egos, ódios pessoais e desejos de vingança contra Jardim e o Jardinismo, mas não constrói nem se afirma como alternativa. É preciso mais desgraça e dramatismo do que já existe?

E é muito deprimente não haver alternativa depois de erros e desgaste de um Governo Regional com mais de 30 anos de mandato... E depois acha-se estranho que os madeirenses continuem a votar em Alberto João Jardim.

Confundir o pessoal com o institucional na luta política não produz bons resultados para a oposição e para quem se quer afirmar como alternativa. O radicalismo, a berraria ou a palhaçada pode servir em dado momento para pressionar, denunciar e alertar, mas é preciso mais. Nem se trata de um vale tudo.

Há quem tenha dificuldade em aceitar a realidade sociopolítica e cultural da Região e queira levar isto à força, num confronto generalizado, num tumulto radical, talvez novamente por via de uma «irresponsável» e irrealista «retórica esquerdista», como referiu em Outubro Vicente Jorge Silva a propósito dos anos 70, ou qualquer outra retórica, que os madeirenses já recusaram.

Não vejo o povo como rebanho porque não o vejo de um qualquer pedestal. E chamem-me à atenção se um dia cair nessa tentação.

O povo é quem mais ordena, goste-se ou não se goste, coincida ou não coincida com as convicções de cada qual. Não cair no erro de considerar o povo soberano eleitor de ignorante, telecomandado ou inconsciente. Arrebanhável de um qualquer púlpito.

Isto sem escamotear a pouca massa crítica existente (atinge todos os sectores), uma sociedade civil pouco activa ou a pequenez da ilha que permite conhecer todos e confundirem-se planos e esferas da vida pessoal e pública e cair-se no acessório, na pequena intriga e na maledicência.

Para desgraça, já basta a austeridade a que estão sujeitos os madeirenses. Não é preciso confundir a Madeira e os seus habitantes com o Governo Regional e o seu líder. A não ser que se queira ajustar contas com o próprio eleitorado...

Os fins políticos e os ajustes de contas com o presidente do Governo não deveriam justificar a penalização das populações. Mesmo quando se sabe que o PSD-M teve atitudes discriminatórias e penalizadoras para as populações que não votavam PSD.

Guerras de paróquia e de egos conduz a quê? É preciso as oposições concentrarem-se no trabalho político com credibilidade, com sentido de Estado e formar uma alternativa porque o desgaste do actual Governo Regional, com as medidas brutais de austeridade, será uma realidade.

A dívida não tirou votos. São as consequências dessa dívida pública que irão fazer a sua corrosão no partido mais votado na Madeira desde 1976, em sucessivas maiorias absolutas.

É tempo de extinguir os efeitos da euforia oposicionista nas últimas eleições legislativas regionais, de aceitar os resultados das eleições e o facto de terem de aturar Alberto João Jardim por mais quatro anos («se Deus me der vida e saúde», como tem repetido). Humildade, unidade, credibilidade e realismo recomendam-se. É preciso semear para colher. E colhe-se consoante o que se semeia.

Sem invalidar a luta política, é preciso haver espaço para defender os Madeirenses, a Região e a Autonomia acima de tudo.

Caso contrário, quem vai (continuar a) derrotar Alberto João Jardim e o PSD-Madeira, nos próximos anos, não apenas em 9 de Outubro de 2011, é a Troika, como também já tínhamos alertado.

Há duas gerações de políticos que tiveram o azar histórico de terem vivido no tempo dominado pelo referido líder carismático e avassalador (nas mãos do qual os madeirenses colocaram o seu destino), com todas as virtudes e defeitos que se apontam e que bem conhecemos.

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