«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, julho 09, 2007

Artificializar até a Madeira ser o que não é

As praias artificiais são ilhas minúsculas e caras de areia amarela rodeadas de cimento por todos os lados. São uma ofensa à praia autêntica do Porto Santo, aqui tão perto. Quem quer uma verdadeira e exótica praia de areia amarela vá à ilha dourada.

Intitulado "O progresso da Madeira ...", o texto da Placa Central da Revista do Diário, por Duarte Jardim, no passado domingo, insistiu na defesa das praias aritificiais de areia... de qualquer cor.

É referido o caso de Tenerife, cujo Parque Nacional do Teide e a cidade de Laguna foram elevados a património mundial pela UNESCO, ilha que tem «imensas estupendas praias artificiais que, aqui na Madeira, alguns não querem e criticam por nada...» Por nada, note-se o autismo face à argumentação de outrem sobre a matéria.

Primeiro, por alguma razão a UNESCO não elevou as praias artificiais de Tenerife a património mundial. Em segundo lugar, a opção das Canárias pelo destino de praia compreende-se, por serem ilhas áridas, inóspitas, sem a natureza exuberante, luxuriante e exótica da Madeira. Faz sentido trocar ou anular a nossa exuberância natural, fundamental para o turista que nos procura, por praias artificiais, autênticos poços rodeados de milhares de antifers, em enrocamentos grotescos, com um impacto visual tremendo, que nem deixam ver o horizonte?

Ainda ontem alguém contava a experiência de um jovem casal nórdico, que veio à Madeira em lua de mel. Algures, no Funchal, recomendaram a praia artificial da Calheta, como se fosse algo muito precioso. Como o casal relatou, foi uma desilusão quando se depararam com a recomendada praia artificial. Nem pararam. Deram meia volta e seguiram imediatamente caminho para Oeste, à procura de mais autenticidade, de mais Madeira...

Recomende-se, sim, a praia exuberante e autêntica do Porto Santo, aqui tão perto. E torne-se os bilhetes de avião e de barco mais baratos para serem acessíveis ao bolso da maioria dos madeirenses.

«O ridículo é que quase todas as praias da Madeira são, obviamente, artificiais: horrivelmente cimentadas e desprovidas de calhaus...», continua a argumentar Duarte Jardim. Boa crítica ao estado do nosso património natural costeiro.

Mas, quer-se dizer que se deve articificializar ainda mais? De «horrivelmente cimentado» a «horrivelmente artificializado»? Qual a diferença? Critica-se a artificialização do cimento e não se critica a artificialização (também com cimento) por via das praias artificiais de areia (de qualquer cor), rodeadas de betão? As praias artificiais são ilhas minúsculas e caras de areia amarela rodeadas de cimento por todos os lados.

«Há um que anda sempre nas nuvens, e afirma o seguinte: "o melhor é comprar praias artificiais que nada tem a ver com a ilha".» Artificial (fingido, contrafeito, postiço) tem mais a ver com andar nas nuvens, fora da realidade, do que defender a manutenção do património real, natural e autêntico da Madeira, em favor do turismo de qualidade, base da economia da Região.

E elogia-se as novas ideias de praias artificiais, parte da cartilha populista nos tempos que correm. Como embevece e atrai o povo (faço parte do povo mas não me atrai) dá votos. Depois da Calheta, Praia Formosa e marina do Lugar de Baixo, lançou-se agora a ideia de escavacar a praia da Ponta do Sol:

«Valha-nos Deus que, hoje, escutei o jovem Presidente da Ponta de Sol, defender uma praia de areia para a zona de melhor clima da Madeira. Que pode ser feita quase de borla (os enrocamentos estão feitos...), com areia preta, morena, avermelhada ou de qualquer cor!» De qualquer cor, note-se.

«Mas este anda cá em baixo e contacta com as aspirações das populações; o outro é forasteiro e peninsular...Por isso, não compreende, ou ignora, a idiossincrasia dos ilhéus! Especialmente, dos velhos e as crianças! ...» Artificialismo é antónimo de realismo. Ter os pés na terra é perceber quanto vital é preservar a autenticidade e o exotismo que ainda resta.

Ó Madeira endémica. Já se percebeu a razão das praias artificiais: as «aspirações das populações» e a «idiossincrasia dos ilhéus!». Com ponto de exclamação e tudo. Quer dizer que é só o "conforto" artificial das populações que conta? Corre-se a satisfazer, populisticamente, essas «aspirações» e «idiossincrasias» mesmo que colidam com o produto Madeira e o seu turismo? Mesmo que arrasem a autenticidade e exuberância da beleza natural da ilha? Mesmo que prejudiquem a economia? Mesmo que choque os turistas?

Qual é o sentido e a vantagem competitiva de a Madeira ser umas falsas Canárias ou ter uma falsa Copacabana? Porque é popular para os residentes? São eles que enchem os hotéis e restaurantes? Na Calheta, o supermercado Pingo Doce é o que mais lucra com a praia artificial...

Como diz a canção de Sérgio Godinho, «pode alguém ser quem não é?». Pode algum lugar ser o que não é?

Recorde-se:
O que a natureza dá não precisa ser feito
Prémio poderá ajudar a proteger as belezas naturais da Calheta
Copacabana da Madeira
Natureza não é só serra e laurissilva
Artificial como o jet bronze spray
Sem artificializar, Rigo dixit
Em carne viva
Se restavam dúvidas sobre a pertinência do filme Lost Jewel...
Quebra-mares
Artificializar por aí...
Save the Waves toca em ferida já aberta: a "política do betão"

2 comentários:

  1. Que tristeza de políticos madeirenses!
    Quero agradecer-te o teu artigo e louvar-te a coragem e solidarizar-me com a tua opinião, que subscrevo plenamente.

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