«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Elementos sobre o estado da Escola Pública 18: um país de brincalhões

O laxismo faz passar os alunos-rei (leões) indisciplinados e violentos por inofensivos bichanos (brincalhões)...

A respeito do caso da Escola EB 2,3/S do Cerco, no Porto, em que um grupo de alunos ameaçou a professora de Psicologia com uma arma de plástico, exigindo melhores notas, no dia 18 de Dezembro, é ver as reacções que provam a permissividade educativa - fomento da irresponsabilidade juvenil - que se vive neste país com a maior das naturalidades:

1. A directora Regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, já desvalorizou o incidente na Escola do Cerco do Porto, considerando, em declarações proferidas ontem, que se tratou de "uma brincadeira de muito mau gosto, que excedeu os limites do bom senso".

2. A presidente da Associação de Pais, Lina Maria, refere que "aquilo foi resolvido na altura. Eles próprios acharam que tinham passado os limites e pediram desculpa à professora. Ela aceitou e tudo ficou por aí, tanto que [a professora] não fez qualquer participação".

3. Manuel Valente, da Federação de Associações de Pais do Porto, acredita numa conspiração: "Acho também muito estranho que a divulgação destes incidentes ocorra sempre no final de um período, já durante as férias, como aconteceu com o caso Carolina Michaelis, até parece que há alguém interessado em denegrir a escola pública". Admite que esta situação foi «encomendada por quem quer neste momento a política de terra queimada nas escolas, nomeadamente os próprios sindicatos, que lhes interessa um caso destes».

4. A presidente do conselho executivo da escola, Ludovina Costa, «foi a primeira a desvalorizar o caso», como relata o Público. Considera que a turma é composta "12 alunos normais e simpáticos, dos quais todos os professores gostam, e que se dão muito bem com a professora, que também é muito brincalhona".

5. A mesma Ludovina Costa, refere que a «decisão de abrir um inquérito disciplinar decorrerá assim do facto de o vídeo ter sido tornado público mais do que pelo episódio em si.» Não tivesse galgado os muros da escola, situada numa zona socialmente problemática, o episódio morreria como "uma brincadeira de fim-de-período que mais ou menos toda a gente fez", como disse ao JN. A mesma Ludovina Costa declarou que "vai ter que actuar por causa de uma irresponsabilidade" - a divulgação das imagens na Internet.

6. "Ó professora, desculpe, sabe que somos uns brincalhões", justificou-se um aluno.

Estas passagens ilustram a cultura de irresponsabilidade deste nosso país de brandos costumes, condenado ao atraso.

Até onde chega o laxismo... Uma presidente de uma escola que está mais preocupada com a imagem, para quem a irresponsabilidade é ter-se colocado o vídeo na Internet e não dos alunos agressivos e indisciplinados; esta senhora considera ainda a professora uma brincalhona; uns alunos que justificam tudo por serem brincalhões; uma directora regional de Educação do Norte que diz não passar de uma brincadeira; uma presidente da associação de pais que tenta passar uma esponja sobre o assunto e dar tudo por resolvido; um senhor da Federação de Associações de Pais do Porto que vai ao ponto de considerar tudo uma cabala de inimigos da escola pública; uma docente que nem formalizou uma participação disciplinar.

Há ainda opinion makers que contribuem para a brincadeira...

Todos desvalorizam o episódio e contribuem para a irresponsabilidade e impunidade juvenil e incentivo aos "alunos rei", que não vêem mais nada à frente a não ser o seu ego, porta aberta para «pulsões narcisistas e exibicionistas, [com] ausência de perspectiva social positiva salvo a que prolonga a afirmação egoísta de si» (Eduardo Lourenço).

A senhora presidente da escola não esconde o seu desejo de camuflar o episódio, que é aquilo que se tem feito como regra geral. Até a ministra da Educação, com mão tão pesada para os professores, minimiza a violência nas escolas, nomeadamente aquela de que são vítimas os docentes, descorando as consequências da indisciplina na qualidade do ensino-aprendizagem.

Resumindo, somos todos uns brincalhões.

A propósito, para não me repetir:
O exemplo e o preceito
Em casa
Complexos de esquerda = facilistismo
Laxismo pós 25 de Abril trama Educação
Escola ideal é diferente da escola real

Bofetadas e riscos de ingratidão
Bofetadas e riscos de ingratidão B
Razões da greve de que ninguém fala

Elementos sobre o estado da Escola Pública 10: educação infantil em Portugal (Eduardo Lourenço)

Fomentos da indisciplina [quando o exemplo não vem de cima]
Elementos sobre o estado da Escola Pública 1: condições de trabalho
Elementos sobre o estado da Escola Pública 7: violência camuflada I
Elementos sobre o estado da Escola Pública 9: nem ditadura por disciplina nem a ditadura da indisciplina
Elementos sobre o estado da Escola Pública 12: violência camuflada II
Elementos sobre o estado da Escola Pública 13: violência camuflada III
Elementos sobre o estado da Escola Pública 15: Violência (des)camuflada IV

Não há enquadramento legal

1 comentário:

  1. Num país normal isto dá anos de cadeia, seja a arma verdadeira ou não. Não foi uma brincadeira. Foram ameaças físicas, verbais e de morte, que se repetem diariamente. Saíram reportagens em que alunos, professores e funcionários desta escola confessam que levam pancada todos os dias destes alunos marginais, criminosos, delinquentes perigosos. E têm que calar, pois os Executivos têm ORDENS PARA ABAFAR TUDO!

    Isto é o dia a dia nas escolas portuguesas!Noutro dia esfaqueram mortalmente um garoto na Casa Pia. Deve ter sido uma brincadeira que correu mal, não? Vai cair mais gente, mais alunos, professores, funcionários. Estes marginais vão para as aulas armados com armas reais e ensopados em álcool e drogas, só quem lá está é que sabe o que é ser humilhado, ameaçado, diariamente e não poder reagir! O que é ver os pequenitos levarem nas lonas, serem roubados, e terem que calar. Ou levam mais!

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