«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, outubro 12, 2008

Artificialismos em detrimento do natural e autêntico

O artigo de opinião hoje assinado por João Welsh, no Diário, "Praias artificiais", é tão clarividente e coincidente com algumas posições veículadas neste blogue sobre tais praias falsas de areia amarela, que, com a devida vénia ao autor e ao jornal, o citamos na totalidade:

«O que ganhamos com a construção de praias artificiais de areia amarela em substituição dos magníficos calhaus rolados de basalto que a natureza nos brindou? Ganhamos artificialismos em detrimento do natural e autêntico que desde sempre constituiu o nosso principal atractivo.

Ganhamos uma metamorfose das cores naturais da ilha, substituindo, junto ao mar, o magnífico preto do basalto pelo amarelo importado.

Ganhamos enrocamentos de protecção que são mais um forte contributo para a descaracterização da nossa paisagem.

Ganhamos a vaidade de passar a afirmar a Madeira como um destino de falsas praias amarelas, pretendendo com isso competir com outros destinos de praias naturais. Ganhamos a arte de copiar e deixamos de valorizar o que nos caracteriza, o que marca a personalidade da nossa ilha, a identidade do nosso destino turístico.

Ganhamos investimentos significativos, limitando assim, a nossa capacidade para investir na defesa do nosso património, do nosso ambiente, das nossas belezas naturais.

Ganhamos "sofisticação" e perdemos exotismo, factor capital na atractividade turística de um destino de lazer, em particular de uma ilha.

Ganhamos custos de manutenção altíssimos, de carácter regular.

Ganhamos contactos comerciais privilegiados com Marrocos e desenvolvemos ainda mais as nossas importações e, em consequência, exportamos capital, um bem, bem mais escasso que areia amarela.

Ganhamos uma colagem do nosso destino Madeira ao destino massificado de Canárias com quem passaremos a competir pelos turistas low cost e perdemos um dos nossos elementos críticos de diferenciação. Ganhamos as Canárias como grande referência turística para a nossa orientação estratégica, apesar da nossa ilha ser de uma beleza muito superior a qualquer uma das ilhas do arquipélago vizinho.

Ganhamos a oportunidade de mudar uma vez mais a nossa marca turística, associando um destino de grandes tradições, mas com uma nova oferta - as praias artificias de areia amarela.

Ganhamos uma sonoridade mais pacífica da rebentação das ondas na areia, deixando para a nossa memória a melodia única e continua do mar a chocar com o calhau.

Ganhamos a possibilidade de promover a diversificação do nosso ecossistema através de novas espécies vivas que, eventualmente venham com a areia de Marrocos, criando assim, eventuais novos desafios para a segurança da saúde pública do nosso destino.

Ganhamos a possibilidade do Porto Santo e da Madeira deixarem de ser destinos que se complementam um ao outro e que se reforçam pelas suas diferenças.

Ganhamos danos irreversíveis nas nossas únicas belezas naturais, na nossa Pérola do Atlântico.

Ganhamos, acima de tudo, a capacidade de evitarmos sermos diferentes e, assim, condicionamos uma Visão e um Plano Estratégico sério para o nosso turismo.

Ganhamos, por fim, a possibilidade das nossas gerações futuras, mais sensíveis ao ambiente e à autenticidade, poderem aprovar planos de restauração do calhau original.

Como podem verificar, os ganhos são tantos que é difícil ser contra as praias artificiais de areia amarela.

Ganhos à parte, deixo aqui o desafio de se lançar um concurso de ideias, junto da Ordem dos Arquitectos, para apresentarem soluções criativas com vista a dotar as praias de calhau de condições para poderem ser utilizadas com mais conforto e segurança, não só na sua fruição, mas também no acesso ao mar.

E eu, o que ganho a escrever este artigo? Nada! Pura ingenuidade aos 47 anos! Pura ingenuidade que tudo farei para manter!»

E os cidadãos madeirenses acordarão para o problema face à anestesia geral e ao deslumbramento inculto? O silêncio não é inocente nem iliba de responsabilidade: submissos não são inocentes.

Aguardemos por outro artigo de João Welsh, desta vez sobre o teleférico do Rabaçal.

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5 comentários:

  1. Caro Nélio,
    O artigo parte de premissas consideradas verdadeiras, mas na verdade são premissas ainda muito discutíveis, ainda que o que vou considerar possa constituir um choque e desconforto psicológico. Antes de tudo é discutível que um ambiente natural seja melhor que um ambiente artificial. Depois seria necessário definir os conceitos de artificial e natural. Defender um ambiente natural é , assim, no argumento, um pressuposto que se toma como verdade quando não sabemos se é verdade ou falsidade. O que lhe disse por mais de uma ve é que, quando pensamos a alteração do meio ambiente temos de o pensar tendo em conta a consideração de interesses para o ambiente a ser alterado. Por exemplo: a construção de praias artificiais coloca em causa os interesses morais de outras espécies animais? Basta saber que uma espécie de peixes sofreria com isso para repensar as praias artificiais. Mas ainda asssim poderia arranjar-se alternativas. O argumento usado bate sempre com a mesma premissa, a de que qualquer alteração ao meio natural é inestética. E isso não pode ser tomado como verdade. Temos inúmeros contra exemplos. Eu, por exemplo, que aprecio os meios naturais, não aprecio todos os meios naturais e alguns são até muito feios. Se pudesse alteraria de uma só vez o meio natural dos desertos e evitava os furacões, tempestades, mandava a chuva somente para onde ela é necessária, etc.. e isto em interesse de todos. Eu, por exemplo, não gosto das prais e calhau, acho-as terrivelmente feias e não penso que embelezem em coisa alguma a ilha da Madeira. Por alguma razão o meu convívio na Madeira é maior com a Serra do que com o mar, o que é de estranhar, não? As razões apontadas no artigo são completamente metafísicas! Mas repare: isto não significa que se deva de uma assentada assumir que as prais de areia são coisa boa para nós. O que lhe estou a dizer é algo bem diferente: estou a alertar que não se pode defender a coisa má que são as praias de areia com os argumentos do artigo, caso contrário o que se está a defender não é a verdade, mas um conjunto de interesses. Isso vem ao de cima precisamente quando topamos que no argumento se tomam premissas discutíveis como verdades e isso é cometer falácias no dscurso. Quer um exemplo rápido: habitualmente tomamamos como uma premissa a vida humana como um valor inviolável. Mas será esta uma verdade acabada? Será que a vida humana é mesmo um valor acima dos outros? Isto é chocante para a maioria das pessoas, mas é isto também que explica que a maioria das pessoas estão formatadas a pensar de determinada maneira e a tomar como verdadeiraas premissas muito discutíveis.
    Abraço

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  2. Caro.

    «As razões apontadas no artigo [de João Welsh] são completamente metafísicas». (As praias falsas e artificiais devem ser mais reais e verdadeiras... Os milhões investidos e os custos de manutenção futuros dos artificialismos costeiros devem ser muito metafísicos e abstractos, coisas de um mundo transcendente... A descaracterização da paisagem - da sua autenticidade e identidade - é só metafísica, não haja dúvida... Os prejuízos de colar o nosso destino turístico ao destino massificado de Canárias é tudo metafífica e teoria... É tudo incompreensível e obscuro)

    «O argumento usado bate sempre com a mesma premissa, a de que qualquer alteração ao meio natural é inestética.» (Leitura extrapolada de algo que não está no artigo de João Welsh. O autor há muito que defende o equilíbrio entre a sofisticação e o exotismo)

    «Eu [...] não gosto das praias de calhau, acho-as terrivelmente feias e não penso que embelezem em coisa alguma a ilha da Madeira.» (Está tudo dito)

    Saudações metafísicas.

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  3. Caro Nélio,
    Além da Laurisilva e do mar eu não sei realmente o que na Madeira é e não é natural, pelo que a conversa do natural é puritanismo metafísico, ou então conversa política. O que eu o alertei é que a premissa usada no argumento é discutível e que o autor do artigo a toma como verdade. Talvez seja verdade. Acontece que a hipótese da verdade, sem investigação, é tão boa como a hipótese de falsidade.
    Realmente não gosto das praias de calhau, nem as acho bonitas e muito menos tão belas como a praia do Porto Santo. Daí não se segue que goste de praias como a da Claheta. Realmente não gosto. Mas gosto da prainha, que até é natural como a nossa sede :-)
    Mas também é verdade que já visitei praias artificiais muito bonitas.
    abraço

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  4. Caro.

    Se «a conversa do natural é puritanismo metafísico, ou então conversa política» porque há-de ser o mar e a laurissilva natural?

    Num plano metafísico, tudo é discutível e relativo. Mas, como já disse, na vida real, há coisas mais discutíveis do que outras. Colocar tudo no plano metafísico, em que tudo é, supostamente, igual a tudo, é um álibi para ficar no conforto morno do banho-maria, no plano da teoria.

    Se a cada argumento ou posição tivesse de fazer uma investigação científica, nunca tomaria uma posição na vida. A vida não é só academismo :)

    Saudações.

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  5. Caro Nélio,
    Tem razão em relação à questão da laurissilva e o mar serem ou não naturais. O puro academismo existe quando o ensino está desligado da vida e é um ensino formal, como é o caso da maioria das universidades portuguesas e, em grande medida, de todo o sistema de ensino. Se a discussão racionalmente sustentada for credível, é o caminho mais seguro para tomar decisões evitando consequências negativas. As discussões e investigações existem porque existe vida real. Sei que o nosso academismo é vazio. Basta olhar à nossa volta e perceber que temos pouco de produção de conhecimento, compramos quase tudo feito. Mas as coisas não tem de ser assim. E se não fossem, claro que não olharíamos para a discussão activa e crítica como puro deleite metafísico. Mas ok, reconheço que isto são contas para outro rosário.
    abraço

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