«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, setembro 08, 2008

Anestesia geral

"Este povo já não mexe, após lenitivos ao longo de 30 anos. Podemos agora arrancar-lhe tripas e coração que não reage."
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É este o estado da Região. Um momento de impasse combinado com uma anestesia geral dos madeirenses. A anestesia local de há 30 anos generalizou-se. Estão paralizados até ao tutano.

Por exemplo, o Diário tem denunciado uma série de atentados ambientais na ilha, mas é tudo como se nada fosse. Ninguém está preocupado com isso. Cai tudo em saco roto. Qualquer justificação esfarrapada faz encolher os ombros e deixar passar a "linda brincadeira".

Contudo, a comunicação social, além de denunciar na defesa do interesse público, é importante que acompanhe o desenvolvimento desses casos, para haver consequência. Não o fazer é contribuir para a tal anestesia.

O poder conta com isso, com a não consequência e a não criação de massa crítica.

O poder regional diz e faz o que apetece, afirma uma coisa hoje e outra amanhã, passam incólumes as contradições, as cambalhotas, os golpes de rins, as marchas-atrás, os desgovernos, os escândalos. Ninguém se demite nem é demitido.

Um governo que faz leis para contrariar as leis da República, como na tentativa de alteração da lei do tabaco, só para chatear o Continente, já não faz leis quando é para ir ao encontro das justas aspirações dos madeirenses.

Como no caso dos professores e demais funcionários públicos, em que se reinvidica a contagem do tempo de serviço congelado, ou do tantas vezes proposto complemento regional para os idosos ou para o salário mínimo, como tem os Açores. Sem falar no aumento do subsídio de insularidade ou da baixa dos combustíveis, também a exemplo dos Açores.

Nem estas consequências para a sua sobrevivência, nem a pobreza e as condições de vida leva as pessoas a revoltarem-se e a sair à rua para defender o presente e futuro dos próprios filhos. Descem à rua apenas para ver barcos, aviões acrobáticos e fogo-de-artifício na baía do Funchal.

Que presente e futuro é esse com metade da população escolar da Região a ter de ser acudida pela Acção Social Educativa; em que quase oito mil madeirenses e três mil famílias recebem rendimento social de inserção para sobreviverem; cerca de sete mil famílias da Região não têm outro remédio senão viver com um rendimento médio mensal de 145 euros; estudos comprovarem que somos os portugueses mais pobres e indicarem que os trabalhadores madeirenses têm salário médio inferior em quase 5%; mais de metade da população madeirense está vulnerável à pobreza e 15,1% vive em situação de pobreza persistente; a percentagem de população em risco de pobreza é de 31%, a maior entre todas as regiões no plano nacional; o rendimento líquido anual médio por agregado familiar na Madeira está abaixo da média nacional e dos Açores.

Nada disto provoca reacção. Os madeirenses procuram ver sempre um "lado positivo" qualquer, sobretudo para justificar a sua dependência, a sua inércia cívica, a ausência de massa crítica e buscarem, em ninharias, o conforto para o peso das cangas, que lhes põem em cima dos ombros.

Temos o olho arregalado e somos espertos para certas coisas, mas há outras que fazemos de conta não ver ou simplesmente nos recusamos a ver. O que interessa é que os subsídios continuem a chegar à carteira.

E este estado de coisas não muda. Interessa a ambas as partes, quem governa e quem é governado. O madeirense nunca trocará pão por liberdade ou transformação cultural e social.

Por isso, eterniza-se o ambiente de aceitação acrítica da governação e do embevecimento perante qualquer obrazinha de betão edificada.

Parece que nós madeirenses não «trazemos no genoma a vontade indomável de defender e preparar os filhos para uma vida melhor do que aquela que nós próprios tivemos» (G.F. Diário 29.9.2008).

Estamos bem habituados à canga da nossa condição insular... Já corre nas veias. É um modo de vida.

Boa sorte para os que alimentam a esperança ou a utopia em sentido contrário.

É importante a memória:
Submissos não são inocentes
Leis da natureza humana
Nunca tantos se venderam por tão pouco
A lição de Monteiro Diniz
Tristes a olhar para o chão
Revoltas de 1931
Raízes do medo: contexto socio-mental e medo de ideias diferentes
Madeira endémica espezinha tolerância e respeito
Did it need to be so high?
Liberdade de expressão, o tanas
State of the Autonomia address
Maledicência, o voodoo madeirense
Discurso político só admite um partido

Madeira em marcha (atrás)
Estado da Região Autónoma da Madeira: «carenciada e em colapso»
Carências permanecem 30 anos volvidos
Esbanjamento
Se o conhecimento fosse de comer
A dívida é uma festa 1
A dívida é uma festa 2
A dívida é uma festa 3 [reprise]
A dívida é uma festa 4 [encore]
PIB mais rico, trabalhadores mais pobres
PIB mais rico, mas famílias mais pobres
Da autoviabilidade ao desespero, do rico PIB ao pobre poder de compra
Tentativas para desmontar PIB "empolado"
Duro despertar para a realidade
PIB, riqueza real e a Lei de Finanças Regionais
Pobreza cada vez mais difícil de camuflar
Dança dos números da pobreza
Impostos, PIB, pobreza e contrastes
Aumento acentuado do Rendimento Social
Açores 3º Mundo?
Desemprego a níveis altos, apesar de disfarçado pela emigração
Ainda a polémica dos números do insucesso secundário na Madeira
«Apostar a sério na educação», para quando?
Liberalização aérea 3: autonomia, "revolução pacífica e liberalização «espúria»
Governo Regional amigo dos fumadores e inimigo dos professores
30 anos
Flop
«Claustrofobia democrática» 1
Claustrofobia democrática 2
Espirrar é um acto político na Madeira
InFlamada intolerância
Há verdades mais inconvenientes do que outras
Claustrofobia-cultural
Cultura muito própria
A maior autoridade é o exemplo 1
Proactividade...
Dia sem Diário é dia sem "oposição" 1
Dia sem Diário é dia sem "oposição" 2
Espirrar é um acto político na Madeira
"Red-baiting" (EUA década de 50 - Madeira últimos 30 anos)
«Estado de direito posto em causa» na Madeira
«Por alguma razão tem havido cenas mais que lamentáveis no Parlamento regional»
This is the state of [Madeira] address, motherf******
... resta combater

2 comentários:

  1. É importante perceber que o "regime" conseguiu criar a ideia de quem se manifesta são os fracos.
    Os espertos são aqueles que conseguem atingir os seus objectivos de forma individual e discreta. Esta forma de atuar não põe em causa o poder e permite a este criar a ideia de que está a conceder um favor individual e ao beniciado dá-lhe a sensação de ser mais esperto que os outros!
    Esta situação só mudará quando o poder não tiver capacidade de resposta e um número significativo de madeirenses se sentir materialmente e psicológicamente à margem! Por enquanto essa exclusão é só material pois psicológicamente ainda se sentem acarinhados pelo "regime" pois atribuem a sua situação, sob a direcção propagandística do dr. AJJ, a causas externas à Madeira!

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  2. Estou na região vai para 3 semanas e só tenho a concordar com o que foi dito (nos últimos 2/3 anos apenas pude efectuar "visitas de doutor" que não me deixaram tomar uma efectiva consciência da situação).
    Creio que não existe a devida conscientalização para os problemas actualmente sentidos/nem para as ruinosas soluções que têm sido tomadas (num prisma da pesada factura que futuras gerações terão de pagar).
    O sentimento existente no madeirense comum, quando interpelado sobre a situação existente "é que a bem ou a mal ao menos é realizado algo".

    O povo madeirense ainda tem na memória as dificuldades que passou antes da conquista da autonomia. A Madeira era de facto das regiões brancas, uma das mais pobres, atrasadas e excluídas. Toda a evolução sentida desde aí é assim atribuída a AJJ e ao partido actualmente instalado no poder, mesmo em campos onde estas não se efectivaram devido à sua acção (que refira-se soube na altura pactuar com os anteriores interesses instalados consolidando assim a sua posição - leia-se Igreja e a classe dominante).

    Acresce-se a isto tudo o facto de sermos uma sociedade com uma muito baixa auto-estima, onde naturalmente não há uma devida cultura cívica de participação e intervenção - aliás como os restantes portugueses (diga-se de passagem), apenas intervimos quando nos sentimos lesados.

    Isto em parte deve-se ao desconhecimento que a maior parte da população possui acerca dos seus direitos e deveres. Numa terras com altas taxas de absentismo escolar, com altas taxas de abandono escolar antes do fim do ciclo normal de 12 anos de estudos (na minha zona cerca de 50% das pessoas da minha idade não completou sequer o 9ºano), numa terra onde grassa o laxismo e o "deixa andar", creio que é muito díficil haver uma plena concientalização cívica ou assunção de uma cultura de alternância partidária no poder (normal em sociedades maduras).

    Não me vou alongar muito, mas em relação consciencialização ambiental que os madeirenses têm, um estudo no âmbito de uma tese de licenciatura em Sociologia do ISCTE efectuado por André Freitas, saído na revista Sociologia Crítica do mesmo organismo (nº54) em 2006, é notória a relação entre os diferentes concepções existentes entre a população e o meio envolvente. No cômputo geral e tendo em conta que vivemos numa pequena ilha, os madeirenses devido a uma série de contigência tem uma elevada atenção ao meio envolvente. No entanto, as atenções e o a forma como o mesmo é considerado varia em função de uma série de factores.
    Existem camadas que têm uma perspectiva mais utilitarista na sua relação com o meio envolvente - isto é, consideram em geral que este pode ser alterado em função das necessidades humanas; por outro lado, existem outras concepções que privilegiam uma maior sinergia entre Homem e o Meio, procurando um equilíbrio entre as duas realidades - com especial incidência no conceito de sustentabilidade para as gerações vindouras.
    Por norma, notou-se que as gerações mais velhas, assim como indivíduos com níveis de escolaridade mais baixos, professavam o primeiro paradigma. Indivíduos com profissões liberais, com níveis de rendimento e escolaridade mais alta, vivendo por norma em ambientes mais urbanos (as ideias difundem-se mais rápido nestas zonas) professam por norma a segunda concepção.

    Face ao esgotamento do actual paradigma de desenvolvimento - assente em grandes obras que modelaram e muito a paisagem (não digo que fossem necessárias em especial as acessibilidades,mas questiono outras cuja utilização nula veio confirmar a sua inutilidade), face ao descrito acima e olhando aos baixos níveis de escolaridade média existentes, assim como os baixos níveis de rendimento existentes por agregado, ou ao simples facto de sermos a única região do país que não dispõe de um POOC aprovado (em discussão ao que parece desde 1994), é fácil perceber a grande aceitação dos madeirenses face ao efectuado. Deve-se ao facto da grande maioria dos mesmos ter uma perspectiva utilitarista e muito antropocêntrica na sua relação com o meio ambiente.

    Já agora, para os mais interessados deixo aqui o link do artigo em questão que referi - "Desenvolvimento e Mudança Paradigmatica na Madeira"

    http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/spp/n54/n54a06.pdf

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